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A recuperação judicial no novo CPC

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Por Daniel Carnio Costa

As mudanças trazidas pelo novo Código de Processo Civil (CPC) geram impactos no sistema de insolvência brasileiro. O novo código é lei geral que deve prevalecer sobre a lei especial. Todavia, em razão de sua aplicação supletiva e subsidiária, as regras trazidas pelo novo CPC também terão aplicação aos procedimentos especiais naqueles aspectos não regulados expressamente pela lei especial. A Lei nº 11.101, de 2005, regula o procedimento especial da recuperação judicial de empresas, mas nada diz sobre como devem ser contados os prazos processuais. Nesse sentido, devem ser aplicadas ao procedimento da recuperação judicial de empresas as regras de contagem de prazos estabelecidas pelo novo CPC. O próprio código reconhece sua condição de norma geral de aplicação supletiva e subsidiária ao dispor no artigo 15 que, “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”. Diz o artigo 219, caput, do novo código que “na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar­se­ão somente os dias úteis”. Nesse sentido, tem­se que todos os prazos processuais previstos na Lei nº 11.101/05, estabelecidos em dias, deverão ser contados em dias úteis. Assim, por exemplo, devem ser contados em dias úteis os prazos para habilitação e/ou divergência administrativa (artigo 7º, parágrafo 1º da LRF ­ 15 dias); para o administrador judicial apresentar a relação de credores (artigo 7º, parágrafo 2º da LRF ­ 45 dias); para apresentação de habilitações e/ou impugnações judiciais (artigo 8º, “caput”, da LRF ­ dez dias). O prazo máximo para realização da assembleia­ geral de credores (AGC) é considerado processual, vez que estipula tempo para a prática de ato no processo. Portanto, o prazo de 150 dias previsto no artigo 56, parágrafo 1º, da LRF também deve ser contado em dias úteis. Entretanto, deve­se atentar que a regra do artigo 219 do novo CPC aplica­se apenas a prazos processuais e que são contados em dias. Nesse sentido, as situações tratadas abaixo não estão abrangidas pela nova forma de contagem de prazo. Os prazos estabelecidos na lei ou no plano de recuperação judicial para cumprimento das obrigações e pagamento dos credores não são considerados prazos processuais e, portanto, não são atingidos pela regra do artigo 219 do novo CPC. Assim, por exemplo, o prazo estabelecido no artigo 54, parágrafo único, da LRF para pagamento de créditos trabalhistas deve continuar a ser contado em dias corridos. Os prazos previstos em horas, meses ou anos também não são atingidos pela regra do artigo 219 do novo CPC, vez que a nova forma de contagem de prazos se aplica apenas e tão somente aos prazos contados em dias. Portanto, por exemplo, o prazo de fiscalização do cumprimento do plano de recuperação judicial, previsto no artigo 61 da LRF, continua sendo de dois anos, sem qualquer alteração na forma de sua contagem. Questão interessante surge em relação ao prazo de suspensão das ações e execuções ajuizadas contra a empresa em recuperação judicial (automatic stay). O prazo de 180 dias de suspensão das ações e execuções movidas contra a recuperanda (automatic stay), previsto no artigo 6º, parágrafo 4º e no artigo 53, III, ambos da LRF, deve ser considerado, tecnicamente, como prazo material. Isso porque, esses dispositivos não determinam tempo para a prática de ato processual. Assim, em tese, tal prazo não seria atingido pela nova regra do artigo 219 do novo CPC. Entretanto, deve­se considerar que o prazo de “automatic stay” tem origem na soma dos demais prazos processuais na recuperação judicial. O prazo de 180 dias foi estabelecido pelo legislador, levando em consideração que o plano deve ser entregue em 60 dias, que o edital de aviso deve ser publicado com a antecedência mínima, que os interessados têm o prazo de 30 dias para a apresentação de objeções e que a AGC deve ocorrer no máximo em 150 dias. Nesse sentido, a intenção do legislador foi estabelecer um prazo justo e suficiente para que a recuperanda pudesse submeter o plano de recuperação judicial aos seus credores ­ já classificados de forma relativamente estável, vez que promovida a análise dos créditos pelo administrador judicial ­ e para que o juízo pudesse fazer sua análise de homologação ou rejeição. Vale dizer, foi a soma dos prazos processuais que determinou o prazo de 180 dias de suspensão das ações e execuções contra a empresa devedora. O prazo do “automatic stay” não se estabelece em função da proteção dos interesses de credores, nem da devedora. A razão de existir da suspensão das ações e execuções contra o devedor é viabilizar que a negociação aconteça de forma equilibrada durante o processo de recuperação judicial, sem a pressão de credores individuais contra os ativos da devedora ­ que devem ser preservados para o oferecimento de plano de recuperação judicial que faça sentido econômico ­ como forma de proteger o resultado final do procedimento, qual seja, a preservação dos benefícios econômicos e sociais decorrentes da manutenção das atividades da devedora (empregos, recolhimento de tributos, circulação de bens, produtos, serviços e riquezas). Diante disso, a interpretação de que o prazo de “automatic stay” deva ser contado em dias corridos, quando os demais prazos processuais na recuperação judicial se contarão em dias úteis, poderá levar à inviabilidade de realização da AGC e da análise do plano pelos credores e pelo juízo dentro dos 180 dias. Em consequência, duas situações igualmente indesejáveis poderão ocorrer: o prazo de 180 dias será prorrogado pelo juízo como regra ­ quando a lei diz que esse prazo é improrrogável e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) diz que a prorrogação é possível, mas deve ser excepcional; ou o juízo autorizará o curso das ações e execuções individuais contra a devedora, em prejuízo dos resultados úteis do processo de recuperação judicial. Dessa forma, tendo em vista a circunstância de que o prazo do “automatic stay” é composto pela soma de prazos processuais e a necessidade de preservação da unidade lógica da recuperação judicial, conclui­se que também esse prazo de 180 dias deve ser contado em dias úteis.

Daniel Carnio Costa é juiz de direito titular da 1ª Vara de Falências, Recuperações Judiciais e Conflitos relacionados à Arbitragem, mestre e doutor em direito, pós­doutorando na Universidade de Paris 1 ­ Panthéon/Sorbonne e professor de direito empresarial da PUC­SP

Valor Econômico

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