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Urna eletrônica faz 18 anos sob críticas

Tecnologia

 Por Gustavo Brigatto | De São Paulo

Quando 142,5 milhões de brasileiros forem às urnas no domingo, eles vão depositar seus votos em um sistema eletrônico que chega aos 18 anos elogiado pela velocidade na apuração dos resultados, mas criticado por especialistas pela postura do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), considerada de pouca transparência, para lidar com brechas de segurança detectadas nas diferentes etapas do processo.

“Só confiar na palavra do TSE de que o sistema é seguro não é suficiente. É preciso ter transparência para mostrar como ele funciona”, disse Diego Aranha, professor de computação da Universidade de Campinas (Unicamp). “Até porque, as interferências podem vir de fora, mas também de dentro do próprio TSE. Não dá pra garantir a honestidade de todo mundo.”

Aranha participou, em 2012, pela Universidade de Brasília (UnB), de uma rodada de testes públicos nos softwares das urnas eletrônicas realizada pelo TSE. Na ocasião, 24 pesquisadores tiveram cinco horas para examinar os 90 mil arquivos e as 17 milhões de linhas de código que compõem o sistema, que é reescrito pelo TSE antes de cada eleição.

Diante da tarefa hercúlea – que demandaria 35 pessoas trabalhando nove horas por dia de segunda a sexta para ser concluída – a equipe se concentrou em um aspecto: a forma como a urna embaralha os votos computados para que eles não possam ser comparados com a lista de presença da seção eleitoral.

O resultado não foi nada bom. Em menos de uma hora, a equipe de Aranha conseguiu colocar em ordem os 475 votos inseridos para simular uma eleição. “Encontramos o código mais inseguro que você possa imaginar para fazer o embaralhamento”, disse.

A falha, relatada ao TSE, teria sido corrigida, diz Aranha. Outra questão continua sem correção, segundo a advogada Maria Aparecida Cortiz: os códigos para cifrar as informações dos votos (as chamadas chaves de criptografia) ficam armazenados nas memórias de cada urna e são os mesmo para todos os equipamentos.

Maria Aparecida participou, como representante do PDT, dos testes realizados pelo TSE nos sistemas que serão usados nas eleições neste ano. Em 180 dias, apenas a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), partidos políticos e o Ministério Público tiveram acesso aos programas. Ela diz ter encontrado uma série de problemas.

Um deles está relacionada à forma como o TSE envia aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e cartórios eleitorais os sistemas que serão usados nas urnas eletrônicas. Segundo a advogada, os computadores usados na gravação das matrizes podem ser conectados à internet. Isso, disse ela, gera dúvidas sobre a verdadeira origem dos programas. “Não dá pra saber se eles vieram do TSE ou da internet.”

Ao pedir explicações, a advogada teve sua petição arquivada sob os argumentos de que ela não teria atribuição para fazer tais contestações, por não ser uma delegada do partido. As vulnerabilidades teriam sido consideradas inconsistentes. “O TSE detém todo o poder”, disse.

O Valor enviou uma lista de questões ao TSE para saber seu posicionamento sobre as críticas quanto ao sistema de votação eletrônica e obter mais informações sobre o funcionamento das urnas. A assessoria de imprensa do Tribunal informou que, por conta da alta demanda do período de eleições, não teria porta-voz disponível para a entrevista.

Apesar das dúvidas que a tecnologia suscita às vésperas de cada eleições, nos 18 anos de uso do sistema eletrônico de votação nenhum caso concreto de adulteração de urnas ou de manipulação de votos foi detectado. Para os especialistas, porém, isso não quer dizer que o sistema é totalmente seguro. É consenso que nenhuma tecnologia consegue chegar a esse nível de proteção. “Se o TSE dissesse que o sistema é tão bom quanto possível e que toma as medidas necessárias para lidar com os problemas, tudo bem. O problema é a falta de transparência e a negação da realidade”, disse o professor Sílvio Meira, fundador do Porto Digital, no Recife, e professor associado da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio.

Como Aranha e Maria Aparecida, Meira disse acreditar que a única forma de garantir a confiabilidade do sistema eletrônico seria fazer a votação também em papel, em todas as seções ou em apenas um determinado número delas.

No caso de usar uma amostra, Meira disse acreditar que, por meio cálculos estatísticos, seria possível confirmar o pleito eletrônico. “Isso não atrasaria a divulgação dos resultados porque o que sai da urna é válido. Mas você teria um prazo de mais alguns dias para fazer a comprovação”, afirmou. O professor lembrou que hoje já existe um prazo de 72 horas para contestações e divulgação do resultado final das eleições.

A impressão dos votos foi testada pelo TSE nas eleições de 2002. Segundo o tribunal, problemas como a quebra das impressoras, necessidade de mais treinamento dos mesários, dúvidas dos eleitores e o custo do uso geral do sistema inviabilizam seu uso. Aranha questiona essa conclusão. “A Índia está adotando a impressão de votos. Será que para eles fica tão caro assim?”, afirmou.

Equipamentos têm configuração técnica simples

Por Gustavo Brigatto | De São Paulo

As urnas eletrônicas são como um pequeno computador desenvolvido com o propósito específico de registrar votos. Desde o primeiro edital, em 1996, foram feitas nove compras de urnas. A fabricante americana Diebold, que adquiriu a brasileira Procomp, é a maior vencedora das licitações, seguida de outra americana, a Unisys.

A configuração técnica das urnas é facilmente superada por boa parte dos atuais tablets e smartphones. Os equipamentos têm processador Intel Atom de 1,1 gigahertz (GHz) e memória de 512 megabytes (MB), que pode ser ampliada para até dois gigabytes (GB). Para efeito de comparação, o celular Moto G, da Motorola, tem processador de 1,2 GHz e 1 MB de memória. A baixa capacidade de processamento, porém, não é um problema porque as urnas não demandam vídeos, jogos e aplicativos, como ocorre nos celulares.

As urnas rodam um sistema operacional do tipo Linux e programas desenvolvidos pelo próprio TSE. Nas seções eleitorais, elas funcionam desconectadas da internet e, segundo o TSE, nenhum programa funciona nas urnas, à exceção dos oficiais.

As urnas não têm memória interna. Tudo que armazenam fica em cartões de memória são instalados pelos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) antes dos pleitos. Encerrada a votação, cinco boletins com informações da seção, o número de eleitores presentes e os votos dos candidatos e legendas são impressos em cinco vias: uma é afixada na própria seção, três vão para o cartório eleitoral e uma é entregue a representantes de partidos políticos. Depois, as informações são gravadas em um outro dispositivo, que é encaminhado fisicamente ao TRE.

 

Do Valor Econômico

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