Por Adriana Aguiar | De São Paulo
As companhias limitadas que eventualmente sofrerem a penhora de quotas sociais, em razão de dívidas causadas por seus sócios, terão um novo mecanismo para evitar a entrada de desconhecidos na sociedade. Com o novo Código de Processo Civil (CPC), em vigor a partir de hoje, as sociedades terão preferência na compra dessas quotas. A penhora de quotas sociais para a quitação de dívidas já estava prevista no artigo 655 do CPC desde 2006 que elenca a ordem de preferência para o pagamento. Porém, com o novo texto, essa modalidade passa a constar em uma subseção própria, que regulamenta melhor o procedimento (artigo 861). A nova regra estabelece que penhoradas as quotas ou as ações de sócio em sociedade simples ou empresária, o juiz dará o prazo máximo de três meses para que a sociedade apresente o balanço e as ofereça aos demais sócios, observado o direito de preferência legal ou contratual. Ou então, proceda a liquidação das quotas ou ações, depositando em dinheiro o valor apurado por meio de depósito judicial. Ainda para evitar a venda das quotas ou das ações, a sociedade poderá adquirilas sem redução do capital social, utilizando suas reservas. Caso não haja interesse dos sócios, o juiz então poderá determinar o leilão judicial delas, o que pode fazer com que um terceiro possa adquirilas. Sócia da área de contencioso do Machado Meyer Advogados, Gláucia Coelho, afirma que grandes companhias, em consequência da ausência de regulamentação, costumavam estabelecer em contrato que a sociedade teria preferência na aquisição dessas quotas sociais, em caso de penhora. “Agora fica previsto em lei e todas as sociedades limitadas ficam com essa proteção”, diz. A possibilidade do ingresso de um sócio desconhecido causa desconforto nas companhias, segundo a advogada. “As sociedades quando são formadas reúnem um grupo de pessoas com um propósito em comum e a possibilidade do ingresso de um terceiro estranho é o pior cenário possível. Alguns credores que sabem disso têm pedido a penhora das quotas porque sabem que podem conseguir um acordo.” Com a previsão no novo Código de Processo Civil, apesar de não ser muito detalhada, o legislador tentou evitar ao máximo o ingresso de terceiros na sociedade, segundo Gláucia. Até então, apenas os sócios tinham preferência na aquisição das quotas, segundo o parágrafo 4º do artigo 685A do antigo código. Agora a sociedade também tem essa prerrogativa. O novo artigo, ao determinar que a companhia apresente o balanço especial, já dá a oportunidade de que a própria sociedade indique qual o valor das suas quotas. “Esse balanço é preparado por um contador. Mas apesar de não estar previsto na lei, acredito que os credores poderão questionar esses valores, caso haja divergência”, diz Gláucia.
O sócio do Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados, Carlos Braga, afirma que só o fato de se uniformizar o procedimento de penhora de quotas sociais e dar preferência à aquisição delas pela sociedade já representam um avanço. Para ele, porém, deve continuar a ocorrer litígio com relação ao cálculo do valor da sociedade. Segundo ele, de um lado o credor vai querer colocar os valores abaixo do mercado e de outro a sociedade vai pleitear que sejam os maiores possíveis, caso as quotas sejam levadas a leilão. “Para se discutir o valor, o juiz provavelmente terá que nomear um perito”, afirma Braga. A penhora de quotas sociais e de ações está em sexto lugar na lista de bens penhoráveis para a quitação de dívidas, segundo o CPC. Em primeiro lugar, está dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira. Depois veículos, bens móveis, bens imóveis, navios e aeronaves. Segundo Braga, o credor normalmente não gosta de penhorar as quotas de participação e só pede quando não existem outras alternativas. “Muitos querem receber e não querem entrar em sociedade.” As alterações, acrescenta o advogado, “melhoram as condições jurídicas desse tipo de penhora, mas não acabam com a barganha econômica”. Para o professor de direito da FGV e do Insper, Marcus Vinicius Gonçalves, do Bertolucci & Ramos Gonçalves Advogados, a modificação deverá interessar apenas às grandes companhias. “Agora temos critérios mais objetivos para o caso de penhora. Até então, essa previsão poderia constar em contrato social. Porém, o juiz poderia analisar a manutenção do que estava disposto”, diz. A nova previsão só vale para as empresas limitadas, já que as ações de companhias de capital aberto são oferecidas em bolsa de valores e qualquer interessado pode adquirilas.
Valor Econômico