Por Nivaldo Cleto*
Ocorreu durante diversas semanas de novembro de 2020 a 15ª edição do Internet Governance Forum das Nações Unidas, que deveria ter ocorrido na Polônia, mas acabou se dando virtualmente, como foi o caso da maioria dos eventos do ano. Com um formato que distribuiu as muitas sessões do evento por diversos fusos horários ao longo de três semanas, se fez necessário para os participantes escolher criteriosamente como conciliar suas agendas pessoais e de trabalho com o evento, mas elas já se encontram disponíveis para serem assistidas aqui para aqueles interessados em seguir algum assunto em particular.
Com esse breve relatório buscamos trazer uma visão voltada ao setor empresarial de quais foram as principais tendências do evento, expondo alguns dos temas de destaque que detectamos e trazendo-os para a comunidade brasileira com uma linguagem mais acessível. Cada parágrafo corresponde a um tema.
Segurança cibernética
O tema da segurança cibernética não poderia deixar de ser o primeiro a abordarmos. Com um aumento do número de ataques dentro do contexto da pandemia global, combinados com ações políticas virtuais praticadas por diversos governos, essa área caminha para um momento crítico. Observou-se uma ampliação preocupante no volume de ataques de ransomware, onde uma rede de computadores é feita refém pelos criminosos, algo que ocorre tanto com empresas de todos tamanhos quanto mesmo com infraestrutura crítica como hospitais. O investimento em times capacitados de TI nunca foi tão importante.
Vemos também um já esperado, mas ainda complicado, aumento no número de ataques fazendo uso de aparelhos conectados à Internet que não são computadores, como câmeras, campanhias e outros aparelhos de Internet das Coisas. A necessidade de conscientizar os usuários e promover melhores práticas de segurança é real.
Economia digital
Esse também foi um ano para pensarmos muito em economia digital, em vista de como o empresariado do mundo em desenvolvimento está sendo pesadamente afetado pela crise sistêmica, ao mesmo tempo que algumas grandes plataformas consolidam ainda mais sua posição.
O trabalho remoto se apresentou como uma forte alternativa para muitos tipos de negócio, reduzindo custos e otimizando a força de trabalho contratada, mas isso gera a questão de como lidar com essa nova realidade entre aqueles que não possuem acesso, ou não possuem acesso de qualidade. Não podemos pensar que em um mundo pós-pandemia o trabalho remoto irá desaparecer e voltaremos a uma realidade de escritórios. As mudanças serão sentidas de modo permanente e teremos que pensar em novos balanços e otimizações para nossas empreitadas futuras, atendendo também à crescente demanda por maior flexibilidade daqueles que estão entrando no mercado de trabalho.
Proteção de dados
A proteção de dados está na mente do empresariado brasileiro devido à entrada em vigor da LGPD, mas existem também outras tendências mundiais nas quais precisamos prestar atenção. Se destaca o Digital Services Act (DSA) da Comissão Europeia, que tem potencial de gerar efeitos tão profundos quando a GDPR Europeia criou no mundo, resultando inclusive em nossa LGPD.
O DSA é uma resposta europeia ao monopólio das grandes plataformas estadunidenses de diversos espaços digitais e cria regras que aumentam a competitividade, na tentativa de criar mais espaço para as pequenas e médias empresas. Enquanto existe potencial de aumento de inovação é preciso acompanhar de perto o que é discutido, pois existe uma fina linha entre trazer mais competitividade e manter o livre mercado em funcionamento.
Infraestrutura da Internet
No tema da infraestrutura da Internet temos muitos temas concorrentes, mas a falta de comprometimento de muitos provedores de serviços de Internet na transição do IPv4 para o IPv6 segue um problema sério, que a médio prazo gerará problemas para a rede. Se faz necessário que empresas e governos comecem a requerer implementação de IPv6 em seus processos de aquisição, criando mais incentivos para os atores fazerem a migração, assim como os equipamentos eletrônicos que não são de ponta precisam também ser estimulados a acompanhar a mudança.
Já no tema do DNS, vemos a emergência do DNS sobre HTTPS (DoH) como algo bom e ao mesmo tempo preocupante. O DoH permite que todos façam uso de encriptação com maior naturalidade nas suas operações diárias de visitar websites, fazendo com que todos requerimentos originários de um sistema sejam transferidos misturados para dificultar sua intercepção, mas isso ao mesmo tempo limita as ações das forças policiais e quebra sistemas como os de filtro de conteúdo.
Atores da Internet
A questão da cooperação entre atores da Internet se faz cada vez mais presente, e aparece como recomendação final de muitas sessões. Se em um momento anterior pensamos que havia boa integração entre os muitos atores desse sistema, estamos percebendo que esse não é o caso, e é necessário que se pensem em muitos mais mecanismos para que aqueles que são provedores, plataformas, administradores, pessoas de negócio e todos demais consigam se manter em alinhamento, visando aumentar a capacidade de todos de estarem preparados para o desafio de uma rede cada vez maior e mais abrangente.
Um tema claro é o do abuso no DNS, tratando de quais websites simplesmente não são toleráveis em nenhuma circunstância e não devem passar por nenhum processo demorado antes de serem retirados do ar, como é o caso daqueles que promovem tráfico humano, por exemplo. Muitos dos atores do sistema possuem acordos voluntários de fazer exatamente isso, mas essa voluntariedade precisa ser convertida em obrigação.
Crianças na Internet
O contexto pandêmico intensificou ainda mais a questão das crianças na Internet. A Interpol trouxe informações para o IGF de que detectam cada vez mais ameaças diretamente voltadas às crianças na rede que vão além dos problemas já conhecidos, com campanhas de desinformação e fraude sendo direcionadas diretamente para esse público.
Embora os pais tenham se tornado mais observadores das práticas online de seus filhos durante a pandemia, a maioria dos pais e professores não possuem compreensão suficiente do ambiente digital para poder educar corretamente as crianças. Isso aponta para que continuemos pensando não só apenas em como tornar as crianças preparadas para o mundo digital, mas sim também como sempre alavancar esforços para educar aqueles que são a rede de apoio imediato delas.
Sustentabilidade digital
Encerraremos com um tema que tentou ser avançado pelos organizadores do evento mesmo sem tanta aderência da comunidade, que foi o de desenvolvimento sustentável na tecnologia digital. Alguns subtemas importantes se destacam no assunto, como é o caso do consumo de energia do mundo digital e a subsequente geração de poluição relacionada a isso, com um estudo prevendo que 14% de todas as emissões globais virão do setor de tecnologia e informação em 2040, apesar de flutuarem em torno de 4% hoje em dia.
Algo mais palpável é nossa incapacidade de lidar com o lixo eletrônico que produzimos, que acaba por muitas vezes misturado ao lixo comum, sendo não apenas um potencial desperdício, mas também representando perigos reais advindos da degradação de alguns componentes eletrônicos. Algo claro é que esse ciclo de obsolescência dos equipamentos precisa ser desacelerado e políticas mais proativas de manutenção implementadas.
*Nivaldo Cleto é membro da ICANN Business Constituency e Conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGIbr
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