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Diário IGF 2023 – Dia 1

IGF 2023

Por Nivaldo Cleto*

Trazemos de Kyoto, no Japão, a cobertura de mais um Fórum de Governança da Internet da ONU (IGF), a cada dia postando destaques que consideramos interessantes para a comunidade brasileira.

Fumio Kishida, primeiro-ministro do Japão na Cerimônia de Abertura do IGF 2023

 

Neste primeiro dia tivemos o painel organizado pela ISOC Brasil[i] sobre soberania digital, que partiu da questão: “Qual é a maior ameaça para a Internet nesse momento?” e “O que vale preservar na Internet?” Chegaram à resposta de que emergência de splinternets (divisão da rede global em partes menores que não necessariamente dialogam) seria o problema mais sério.

Dentro dessa conclusão, entendeu-se que existe uma intersecção entre fragmentação da Internet e soberania digital, um tema que pode ser entendido a partir de uma lógica política, tecnológica, econômica, ou uma diversidade de outros pontos de vista.

No cenário brasileiro, uma série de leis relativas ao meio digital foram passadas ao longo da última década que tiveram impacto sobre a cultura digital do país. Também se discutem atualmente leis sobre Inteligência Artificial e fake news principalmente, apesar de existirem outros temas. O tema da soberania aparece como uma motivação para a deliberação de novas leis.

No recente projeto da ISOC com o FGV-CEPI, se busca compreender quais as dimensões que essa questão tem assumido. Está sendo buscado conectar a realidade local com o global. Já categorizaram 245 documentos de fontes variadas abordando o tema no contexto brasileiro durante seu um ano de atividade, vendo que existe uma falta de consenso sobre o significado do tema. A discussão é recente no Brasil e associada a incertezas em torno do tema. Em 15 entrevistas semiestruturadas, se coletou a percepção de que a soberania digital está mais associada às leis de IA e fake news.

Agora o grupo está em um estágio do processo no qual vão conduzir uma capacitação online com uma grande gama de atores e buscar debater quais as interpretações trazidas por esses diversos atores, compreendendo uma percepção mais geral do tema.

Existe um projeto paralelo correndo no Brasil sendo liderado pelo Prof. Luca Belli na FGV do Rio de Janeiro, mas seu foco é na questão da cibersegurança, enquanto esse projeto focado em São Paulo conduz uma investigação sobre definição e entendimento.

Todos os documentos disponíveis estão sendo buscados para embasar essa lógica. O Brasil tem uma tradição anterior que data das décadas de 70 e 80, e essas considerações são de interesse para o projeto e seu mapeamento, mas o foco é nos discursos atuais sobre o tema. A perspectiva é focada no presente, mas existe em interesse na construção de uma linha do tempo para o país.

Da plateia veio o comentário de que a soberania é um fator que por vezes é exclusivo, no qual se um ator tem algo e outro não tem. Foi trazido que a formação da ICANN foi um caso de sucesso em termos de separação do aspecto da soberania estatal. O painel respondeu que estão buscando entender essas narrativas.

 

Confira a Sessão

IGF 2023 – Dia 1 – Sala de Workshop 3 – Soberania digital no Brasil: para quê e para quem?

 

Com Taro Kono, Ministro de assuntos digitais do Japão, no Fórum de Governança da Internet – IGF2023

 

 

Fechando as Lacunas de Governança: Novos Paradigmas para um DNS mais Seguro

Nesta sessão com o tema “Governança Digital Global e Cooperação”, Keith Drazek, vice-presidente de Políticas Públicas e Relações Governamentais da VeriSign disse que existem responsabilidades e capacidades de muitos atores diferentes para tratar com questões que envolvem o DNS[ii]. “Existe uma variedade de maneiras de se aproximar dessa questão dentro do ecossistema. Existe uma necessidade dos atores técnicos para trabalhar melhor juntos, incluindo atores como CDNs, hosts e outros, mostrando que, como um setor, existem desafios coletivos que querem ser superados. Se não ocorrer isso, os reguladores aparecerão e ditarão as regras. Existe a oportunidade de trabalhar essas questões de uma maneira multisetorial”.

Jia-Rong Low, da ICANN Ásia e Pacífico, recontou o processo de como ocorreu a evolução da questão do Abuso no DNS (discutido extensivamente em nossos diários da ICANN, estabelecendo como isso está sendo um processo importante para aumentar a segurança no DNS.

Já Esteve Sanz, Chefe do Setor de Governança da Internet e Diálogo Multilateral na Comissão Europeia, mencionou que as regulações que poderiam afetar a ICANN, dentro do contexto europeu, não estão sendo avançadas de modo significativo. A questão do Abuso no DNS é um teste do modelo da ICANN e das questões que o cercam. Existe necessidade para transparência e proatividade dos operadores dentro desse contexto para embasar ações que são necessárias.

Para Fiona Alexander, do Laboratório de Governança da Internet na American University, a questão do Abuso no DNS pode parecer simples em um primeiro momento, mas existem nuances em como isso é interpretado por diferentes atores. Existe um balanço entre proatividade em combate versus apresentar provas da ocorrência de um mal e pediu transparência nos processos.

Jennifer Chung, da DotAsia Organisation, disse que as partes contratadas da ICANN fizeram uma série de ações voluntárias voltadas a remediar as lacunas que existem no sistema. Algo que o “.asia”, acredita, é que existe grande potencial nos Trusted Notifiers (Notificadores de Confiança, que apontam para conteúdo malicioso, levando o operador a encontrar mais facilmente esse conteúdo). “Existem uma série de questões que superam o escopo do que está sendo discutido dentro do Abuso no DNS; as equipes de segurança das organizações, dentro da região asiática, estão se movendo para olhar de maneira mais proativa para as questões que estão emergindo. Os contratos são uma base, não um teto. Os operadores podem adicionar mais proteções de sua própria vontade”.

Para Rocío de la Fuente, Gerente Geral na LACTLD (Associação da América Latina e Caribe dos domínios de primeiro nível), os códigos de países (ccTLDs) não são limitados às regras da ICANN, podendo traçar suas próprias regras e normas. No entanto, a LACTLD tem feito capacitação e socialização de técnicas para que os Estados e os códigos de seus países possam avançar rumo a também prover uma maior segurança dentro de seus espaços no DNS, de modo a melhor alinhar essas questões dentro do DNS como um todo.

Jean-Jacques Sahel, Chefe de Política de Conteúdo da Ásia-Pacífico e Chefe Global de Política de Telecomunicações no Google, disse que a Internet não é mais um jovem, e sim um ser crescido, e a necessidade de olhar mais profundamente para seus aspectos regulatórios é algo importante. “A Google não tem a pretensão de não ser regulamentada, mas sim de ‘como’ vai ser regulamentada. A Google busca não só tirar do ar conteúdo malicioso, mas também engajar na desmonetização desses atores para desmotivá-los”. Ele afirma que existe uma tendência de cada vez mais ter uma regulamentação estatal, algumas focadas em mídias sociais, mas muitas com um escopo de toda a Internet no que é pertinente a um país específico. Existe um processo de governos pegarem pedaços das legislações de outros Estados e transformarem em peças para montar suas próprias. “Os formadores de política raramente alcançam as partes interessadas e ativamente buscam informações, e isso é uma tendência que precisa ser revertida”.

Keith Drazek retomou as questões de responsabilidades e como tratar as capacidades técnicas de cada ator, pois nenhum deles possui controle total sobre o sistema, o que faz com que seja necessário pensar as ações de modo mais amplo. “As reações tem que ser pensadas de modo a que sejam proporcionais a o que está sendo detectado como mal, e criar recursos para apelos de decisões. Nesse aspecto, os Trusted Notifiers se destacam como atores relevantes para orientar essas ações.”

O mesmo governo que estabelece uma regra pode ser prejudicado por essa regra, lembrou Jia-Rong Low. “No caso da ICANN, quando o WHOIS[iii] foi obfuscado para não revelar muitas informações pessoais como consequência de leis provenientes da União Europeia (UE). Isso foi considerado bom por defensores da privacidade, mas a própria INTERPOL acionou a ICANN para protestar que havia se removido um recurso importante para o combate ao cibercrime.”

O Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br está participando de diversas sessões do IGF.

 

Confira como foi a sessão

IGF 2023 DC-DNSI Fechando as Lacunas de Governança: Novos Paradigmas para um DNS mais Seguro

 

Entrevista com o deputado federal Gilberto Nascimento sobre sua participação no Fórum como representante da Câmara dos Deputados.

 

Assista a cerimônia de abertura do IGF 2023

 

(*) Nivaldo Cleto é empresário de contabilidade e de certificação digital, conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil CGI.br e membro da ICANN Business Constituency – BC


 

[i] A ISOC (Internet Society) é uma associação sem fins lucrativos, criada em 1992, com atuação internacional, que tem por objetivo promover liderança no desenvolvimento dos padrões Internet, bem como fomentar iniciativas educacionais e políticas públicas ligadas à rede mundial entre computadores.

[ii] DNS – (Domain Name System – Sistema de nome de domínio) converte nomes de domínio legíveis por humanos (por exemplo, www.amazon.com) em endereços IP legíveis por máquina (por exemplo, 192.0.2.44).

[iii] WHOIS é um protocolo da pilha TCP/IP específico para consultar informações de contato e DNS sobre entidades na internet.

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