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Diário da ICANN 78 – Dia 4

ICANN 78

Por Nivaldo Cleto* 

Nesse quarto dia da ICANN 78, a Business Constituency[i] fez um raro exercício conjunto com a ala não-comercial da ICANN em uma sessão que buscava fazer um detalhamento de problemas atualmente sendo encontrados pela comunidade como um todo e dos quais poderíamos nos beneficiar de explorar de maneira mais conjunta. O tema mais interessante abordado foi o dos “Registry Voluntary Commitments”, que discutiremos aqui.

Esse debate na verdade tem início nos Public Interest Commitments (Compromissos de Interesse Público, PIC) que foram obrigações geradoras de vínculos para os registries, operadores de registro de domínios genéricos de primeiro nível (gTLDs[ii]), que tinham a intenção de estabelecer em contrato com a ICANN algumas obrigações adicionais que o operador deveria adotar para poder adquirir um novo TLD[iii] na rodada de 2012 que permitiu que essa venda ocorresse (de onde surgiram TLDs como “.xyz”).

No entanto, ficou decidido na época que os PICs também poderiam servir para agregar obrigações adicionais dentro de um TLD, seja por uma missão proposta pelo operador ou para criar um atrativo comercial adicional. Por exemplo, poderia ser contraída a obrigação de não permitir nenhum uso malicioso de domínios dentro daquele TLD, ou um comprometimento particularmente forte com a proteção de crianças online. Esses comprometimentos estão sujeitos à supervisão e execução de conformidade pela ICANN.

Com o tempo, passou a ser questionada a estrutura desse mecanismo, e uma das primeiras ações foi mudar o nome dessas obrigações adicionais para Registry Voluntary Commitments (Compromissos Voluntários de Registries, RVC), clarificando que, diferente dos primeiros PICs, esses são contraídos por vontade própria dos registries. Isso faz com que os contratos dos diferentes registries não sejam homogêneos, mas sim que cada um tenha uma natureza própria. Com o tempo também foi clarificado que qualquer um que sinta que ocorreu uma violação de um PIC ou RVC pode acionar o setor de Compliance da ICANN, que deve então investigar o caso.

O problema advindo disso é que isso coloca a organização da ICANN numa posição potencialmente complicada, fazendo com que seu setor de Compliance possa ser colocado numa situação na qual existe a possibilidade de violarem o regulamento interno da ICANN que diz claramente que ela não pode atuar fora de sua missão. Em outras palavras, se um PIC adicional ou um RVC faz promessas em relação a remoção de conteúdo (usemos “fake news” como um exemplo fictício aqui), o setor de Compliance não poderia fazer nada a respeito pois isso excede seu poder.

Esse debate todo é importante, pois estamos cada vez mais próximos de uma nova rodada na qual poderão ser colocadas ofertas para novos TLDs de maneira ampla novamente, algo que não ocorre desde 2012. Sem clareza em torno de qual será o papel desses RVCs, podemos rumar para uma direção na qual permitiremos a criação de conflitos futuros que não terão uma resolução simples.

O maior perigo é que, sem um caminho claro e orientações bem delineadas, pode ocorrer de se criar uma falsa expectativa nos governos do mundo de que a ICANN seria capaz de limitar um registry em relação a qualquer tema, algo que não é verdadeiro e pode levar a confusões sérias, principalmente com governos.

Consideremos essa situação fictícia que criamos para melhor entendimento de nossos leitores: um TLD que introduz o sufixo “.árvore” promete que consultará o país do qual uma dada árvore é originária sempre que um for registrado, perguntando eles permitem aquele uso. Nosso exemplo será o imaginário “jacarandá.árvore”. Vendo a promessa colocada em RVC do candidato a operador do “.árvore”, os governos não entram com uma contestação de legitimidade e permitem que o TLD seja criado, confiando que serão consultados em casos nos quais potencialmente queiram proteger algum nome de sua fauna local. No entanto, uma vez em operação, o operador do “.árvore” não cumpre o que prometeu. Os governos procedem e acionam o Compliance da ICANN, que por sua vez responde que não sente que possui condições legais de impedir o uso do “jacarandá.árvore”, criando assim uma situação na qual os governos seriam obrigados a buscar soluções fora da ICANN, algo que poderia ser muito perigoso para a legitimidade do modelo multisetorial.

Visto isso, ainda se discute muito sobre como proceder, inclusive com a opção colocada na mesa de simplesmente proibir a adoção de RVCs. Isso pode se provar complexo frente aos interesses de potenciais operadores de novos TLDs que queiram criar diferenciais competitivos para seus produtos. Isso coloca particularmente a comunidade comercial em uma encruzilhada, pois, se por um lado defendemos a liberdade de mercado, por outro somos preocupados com a habilidade de mantermos uma distância saudável entre a corporação da ICANN e a intervenção governamental.

Conversamos com Percival Henriques, Conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br, sobre a NetMundial 2024

Anunciado o local do fórum da comunidade ICANN79

A ICANN anunciou que San Juan, Porto Rico, foi selecionado como local para a primeira reunião pública da ICANN de 2024. O Fórum da Comunidade ICANN79 será realizado de 2 a 7 de março de 2024 no Centro de Convenções de Porto Rico.

Convite dos anfitriões da próxima ICANN, que será realizada em Porto Rico

(*) Nivaldo Cleto é empresário de contabilidade e de certificação digital, conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil CGI.br e membro da ICANN Business Constituency – BC

Fotos – icannphotos


[i] O Grupo Constituinte de Usuários Comerciais Comerciais (também conhecido como Grupo Constituinte Empresarial, ou BC) representa os usuários comerciais da Internet. O Grupo Constituinte Empresarial é um dos Grupos Constituintes do Grupo de Partes Interessadas Comerciais (CSG). O Grupo Constituinte Empresarial é a voz dos usuários comerciais da Internet dentro da ICANN – a Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números.
[ii] Um domínio genérico de primeiro nível (gTLD) é uma extensão de nome de domínio da Internet com três ou mais caracteres. É uma das categorias de domínio de primeiro nível (TLD) no Sistema de Nomes de Domínio (DNS) mantido pela Autoridade para Atribuição de Números da Internet.
[iii] O TLD, ou Top-Level Domain, faz parte do universo de domínios da internet. A tradução literal do termo é “domínio de nível superior”, que se refere à parte do domínio que vem depois do ponto, como “.actor” “.aero” “.áudio” “.online”, por exemplo.

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