Logotipo NCC

Democracia e popularização da internet

Tecnologia

Por Renato Opice Blum

A Constituição Federal Brasileira, promulgada em 1988, prevê que “todo o poder emana do povo, que o exerce através de seus representantes”. Neste e outros dispositivos sobre o assunto, verifica-se que a democracia de representação é o modelo de governo adotado pelo país, ganhando efetividade através do sufrágio universal. Ainda segundo o texto constitucional, as raras e restritas formas de participação direta do povo podem ser concretizadas, exclusivamente, por meio de plesbicito, referendo ou iniciativa popular (art. 14-CF). Impossível não perceber que, tantos são os obstáculos para o exercício de tais modalidades de participação, que hoje estes institutos tornaram-se distantes da realidade cotidiana política do país. 

Pois bem, parece-nos que durante muitos anos o cidadão acostumou-se com a ideia de que o processo eleitoral era a única fase em que tinha oportunidade de se envolver com política. A responsabilidade de cada eleitor, muitas vezes, resumia-se na escolha de representante que decidiria por ele, dali para frente, todas as diretrizes a serem tomadas. Na prática, o papel da grande maioria dos brasileiros encerrava-se com a confirmação de seu voto nas urnas. 

Nos últimos anos, no entanto, verifica-se que o desenvolvimento da tecnologia, expansão da inclusão digital e, destacadamente, a popularização das mídias sociais, possibilitaram que o indivíduo ampliasse a sua participação na vida política do país, retomando o poder de influência de que nunca deveria ter abdicado. Afinal, a Carta Magna garante, nos limites da lei, a liberdade de manifestação do pensamento (inciso IV, art. 5°-CF), inclusive de natureza política. 

Mesmo inegável a ruptura das manifestações na democracia virtual, há limites impostos pela legislação 

Pode-se imaginar, assim, que talvez durante muitos anos a sonolência do brasileiro para os assuntos políticos tenha se dado em razão da ausência de ferramentas – encontradas hoje, por exemplo, nas redes sociais – para dar escala às suas ideias e comoções, tornando viável o compartilhamento de informações sobre ideais políticos, entre os mais distantes pontos do extenso território nacional. 

De fato, além dos canais para troca de informações e possibilidade de mobilizações sociais (que, aliás, surpreenderam os governantes nos recentes meses), a internet oferece instrumentos de controle e fiscalização da atuação dos três poderes que, aos poucos, são levados à consolidação do governo eletrônico, abrindo canais anteriormente não acessíveis pelo cidadão comum. Para dar efetividade ao disposto no inciso XXXIII do art. 5º da CF (direito à informação), as pressões populares culminaram na aprovação da legislação para acesso à informação pública (Lei 12.527/2011). Por meio dela, formalizou-se que o Estado deve garantir o acesso à informação com procedimentos ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão. Além disso, devem ser utilizados meios e instrumentos legítimos de que dispuserem as entidades públicas, sendo obrigatória “a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet)”. 

A Lei Complementar nº 13, de 2009, por sua vez, consignou a transparência nas finanças públicas, de modo que, hoje, é possível encontrar na web dados oficiais sobre contas públicas, salários, contratações, entre outros. Ou seja, a tecnologia possibilitou o acesso facilitado a estas informações importantes, e também permitiu que o brasileiro concebesse sua opinião crítica sobre referidos dados, dividindo-a e aliando-se ideologicamente a outras pessoas interessadas no assunto. 

Nesse sentido, é de se mencionar, que a própria imprensa tradicional parece ter perdido o monopólio sobre a comunicação, com a notável insurgência do jornalismo popular ou cívico, destacado principalmente nas manifestações nas ruas e com audiência massiva na rede. A abordagem desses canais não profissionais tem perfil mais combativo, mas contribui de forma diferenciada para a democracia, na medida em que traz para a internet conteúdo próximo da realidade fática, com diversificadas formas de narrativa. 

Contudo, mesmo inegável a característica de ruptura das manifestações na democracia virtual, há limites – impostos pela legislação – que preveem a responsabilização (também criminal) pelos abusos. As previsões de calúnia, injúria ou difamação (arts. 138-140 do Código Penal), praticadas pela internet e sob qualquer pretexto, continuam valendo, havendo possibilidade de aumento de pena quando voltadas contra presidente, chefe de governo estrangeiro ou funcionário público, em razão de suas funções (art. 141- Código Penal). 

Igualmente, a incitação à prática ou apologia ao crime (arts. 286 e 287-Código Penal), relacionados a dano, por exemplo, (agravado quando praticado contra o patrimônio público,) também são condutas inaceitáveis e penalmente puníveis da mesma forma que os tão socialmente repudiados crimes de corrupção. 

Portanto, para fins de uso saudável dos canais digitais no exercício da democracia atual, os processos informativos e educacionais devem ter papel fundamental, para que o cidadão brasileiro possa exercer com plenitude seus direitos e contribuir de maneira legítima para o crescimento da nação. 

Finalmente, se vale o ditado que ensina que “conhecimento é poder”, conclui-se que hoje a tecnologia tem auxiliado no processo de empoderamento e politização popular. Aos poucos, com acesso à educação e aos meios de fiscalização do poder público, o poder que “emanava do povo”, mas escorregava de suas mãos, pode ser retomado, ainda que sutilmente, de forma equilibrada e absolutamente interessante para o país. 

Renato Opice Blum é advogado, economista, professor e presidente do Conselho de TI da Fecomercio-SP 

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Leia também