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Supremo adia para 2020 julgamento sobre retirada de conteúdo da internet

Tecnologia

Em cenário de polarização, Marco Civil da Internet, de 2014, volta ao debate

SÃO PAULO

Após pressão de gigantes de tecnologia, academia e ONGs de direitos na internet, o Supremo adiou para 2020 julgamento marcado inicialmente para esta quarta (4) que pode alterar o Marco Civil da Internet, de 2014, e mudar as regras para retirar conteúdo da rede.

Baseada em dois recursos de vítimas que reivindicaram a remoção de materiais do Google e do Facebook, casos de 2010 e 2014, a corte vai definir se o artigo 19 do marco da internet é constitucional.

Mais debatido durante a elaboração da legislação —que durou cerca de sete anos desde o primeiro rascunho—, o 19 determina que aplicações de internet, como blogs, sites jornalísticos e redes sociais, sejam responsabilizados caso não removam conteúdos de terceiros após ordem judicial.

Uma mudança pode determinar que qualquer plataforma seja responsabilizada se não excluir uma foto, mensagem ou vídeo após simples notificação de usuários que se sintam ofendidos.

Na prática, um jornal poderia responder na Justiça se não excluísse um comentário de leitor (o artigo só versa sobre conteúdos gerados por terceiros) após um pedido de outro leitor ou de um político mencionado na mensagem, por exemplo.

O mesmo valeria para um vídeo no YouTube, uma foto no Facebook ou a uma publicação no Twitter.
Diante dessa possibilidade, organizações passaram a alertar para o risco de um cenário de censura privada, em que empresas deletam conteúdo de modo automático para evitar litígios.

Outro receio é que o assunto seja encarado na ótica de polarização vítimas versus Google e Facebook, quando o contexto inclui qualquer tipo de aplicação, como Reclame Aqui, TripAdvisor, Wikipédia e contas de influenciadores no Instagram.

“O equilíbrio de direitos, de quando termina meu limite e começa o do outro, cabe ao Judiciário. A grande preocupação é que agentes privados exerçam papéis que são da Justiça”, diz Luiza Brandão, diretora do Iris (Instituto de Referência em Internet e Sociedade).

A exceção do artigo 19 é a pornografia, cujo material deve ser retirado após simples notificação do usuário ofendido —por isso a opção jurídica do Instagram em detectar previamente imagens que exibem mamilos.

Outros temas, como crime de racismo, falsidade ideológica e discurso de ódio, não são contemplados nominalmente no Marco Civil. Aparecem, entretanto, nos termos de uso de redes sociais.

“Às vezes não fica claro para as pessoas que, pelas políticas de uso, as empresas já abolem conteúdos. Elas não esperam e não precisam esperar por ordem da Justiça para retirá-los”, afirma Celina Bottino, diretora no ITS-Rio.

Antes do Marco Civil, as decisões se baseavam em uma determinação de 2010 do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que deixava dúvidas se a eliminação deveria ser feita mediante notificação extra ou judicial, até que o Marco Civil regulamentou o caso.

Para especialistas, o retorno dessa dinâmica levaria à hiperjudicialização. Eles dizem que o cenário de discussão foi contaminado por assuntos diferentes que, embora tenham conexão, não são regulados no mesmo balaio: fake news em eleições, difamação e discurso de ódio.

“Desde 2009 a lei eleitoral passou a adotar um sistema de responsabilidade das plataformas que é similar ao do Marco Civil, com retirada de propaganda política irregular após avaliação do tribunal. Se no campo político funciona, é incongruente mudar isso na regra geral”, diz André Giacchetta, do escritório Pinheiro Neto.

Ele lembra que em 2018 foram solicitadas as retiradas de duas centenas de URLs sobre o tema kit gay. O TSE autorizou a remoção de apenas três.

Caso semelhante acontece com grandes plataformas. O Google não abre o número de quantas ações judiciais envolvendo pedido de remoção foram abertas no último ano, mas fontes que acompanham esses processos afirmam que o Judiciário considerou como conteúdo ilegal apenas a metade.

Ainda não está claro o que substituiria o artigo 19, mas é provável que questões ventiladas antes do marco venham à tona.

“A versão final do artigo optou pelo afastamento da responsabilidade primária da aplicação, salvo em questão de nudez de alguns casos de propriedade intelectual. Por que nudez dá responsabilidade direta às redes e outros assuntos, não?”, questiona Renato Ópice Blum, professor de direito digital na Faap.

Também podem surgir problemáticas que dominam discussões globais de regulação de internet, como o discurso de ódio, que apresenta desafios contextuais e subjetivos para caracterização.

O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, tem se mostrado favorável a uma maior responsabilização dos sites e de redes sociais. Em diferentes ocasiões, uma lei recente da Alemanha surgiu em argumentações.

Aprovada em 2017, a NetzDG define que em hipóteses já consideradas ilegais na legislação alemã —como a disseminação de símbolos inconstitucionais (suástica)— as plataformas com determinado número de usuários devem retirar peças depois de notificação e análise num período de 24 horas. A multa é de até € 50 milhões.

“A lei alemã está intrinsecamente ligada à história jurídica daquele país. O Brasil tem problemas diferentes, com destaque para casos de [pedido de retirada por] difamação. O STF estaria fazendo um transplante institucional inédito”, diz Francisco Brito Cruz, diretor do Internet Lab.

Nessa lógica, ele afirma, seria arriscado que um instrumento de notificação e retirada se subvertesse num mecanismo de remoção de conteúdo solicitado por figuras públicas.

Antes de o assunto ser julgado, o STF decidiu por uma audiência pública, ainda sem data definida. Segundo o Supremo, o julgamento foi retirado da pauta para permitir maior aprofundamento do caso.

https://www1.folha.uol.com.br/tec/2019/12/supremo-adia-para-2020-julgamento-sobre-retirada-de-conteudo-da-internet.shtml

 

 

 

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