Grande parte das empresas familiares acaba ou é vendida por causa de conflitos societários mal resolvidos. “Os herdeiros são sócios que não se escolheram”, diz Renato Bernhoeft, fundador da höft consultoria, especializada na transição de gerações. Está aí o potencial para a formação de um barril de pólvora, escondido por trás de uma relação idealizada entre parentes. Preparar filhos e netos para herdar e gerir o patrimônio é uma preocupação crescente dos donos de grandes fortunas. Atentos à demanda, os serviços de private banking levam os herdeiros para a sala de aula, formando novas gerações de clientes.
O Credit Suisse, que usa há oito anos a estrutura mundial do banco para oferecer aos clientes um curso focado na sucessão e governança familiar, em Zurique, prepara para este mês a primeira versão brasileira do evento. O BNP Paribas também adaptou em setembro para o Brasil seu evento de formação de herdeiros, geralmente realizado em Paris. O Santander prevê para este mês o lançamento de um programa voltado para a transição de patrimônio. HSBC, BTG Pactual e Citi estão entre os bancos que já têm programas do tipo, todos com foco nos clientes de alto patrimônio.
Em geral os gestores de fortunas convidam filhos e netos de clientes que têm entre 20 e 30 anos para os cursos que ocorrem de uma a duas vezes ao ano no Brasil ou no exterior. Os temas vão de conjuntura econômica e instrumentos para sucessão a regimes de casamento.
Com 25 anos, Lair Pasetti, herdeiro da holding Grupasso, participou neste ano do curso oferecido pelo BNP Paribas a 32 jovens. Pasetti começou como estagiário e hoje é gerente geral da Plastirrico, fabricante de embalagens do grupo que produz também o leite e o suco da marca Xandô. O fundador e presidente da Grupasso, Lair Antonio de Souza, tem hoje 84 anos. “A vontade de deixar unidas tanto as empresas quanto a família veio de cima, é uma vontade dele”, conta Pasetti, um dos oito netos do fundador, que teve quatro filhos.
Começou neste ano o trabalho com consultores e advogados para tentar por em prática o desejo de Souza. Os filhos criaram um conselho para discutir o processo. Houve um treinamento de dois dias em que as áreas da empresa foram apresentadas aos familiares. “Família é família e negócio é negócio, mas todos são sócios, têm que participar, entender e ter visão mínima do que se faz na empresa”, afirma Pasetti. No curso de herdeiros ele diz ter aprendido que existe uma ciência da sucessão. Claro, é apenas um começo. “Saí dali com várias lições de casa”, diz.
Levar uma família a discutir o assunto da sucessão não é tarefa fácil, diz Mauro Rached, chefe da área de gestão de fortunas do BNP Paribas. Se o fundador não tem iniciativa, as gerações seguintes podem ajudar. “A primeira forma é tocar no assunto não como uma sugestão ou uma proposta, mas como uma dúvida”, diz Rached. Filhos ou netos com ideias semelhantes podem se unir na missão de trazer casos de outras empresas para conversas nos almoços de família.
A própria gestão dos recursos está entre as principais dúvidas dos herdeiros, segundo Rached. Aí ele nota um contraste. Enquanto as primeiras gerações têm mostrado grande interesse por títulos incentivados, como LCIs e LCAs, os herdeiros são mais ousados. Entre os assuntos de maior interesse estão o investimento direto em ações, os fundos imobiliários e de private equity.
Entrar no debate da herança logo cedo não desestimula os jovens a montar seu próprio patrimônio? “O que a gente sempre propõe é a participação deles nas decisões, mas isso não necessariamente envolve transparência em relação a valores”, diz Carolina Falzoni, responsável pela área de fundos exclusivos da Credit Suisse Hedging-Griffo (CSHG). Caso seja essa a escolha da família, diz, é possível discutir veículos de investimento, alocação e estratégias em profundidade sem ter que revelar o tamanho do patrimônio.
Foi em 2008 que o Credit resolveu criar um curso para conversar com filhos e cônjuges dos clientes. A ideia inicial, explicar a crise econômica internacional e deixá-los confortáveis com a volatilidade dos mercados, evoluiu para um curso geral sobre cenários e tipos de aplicações. As aulas, de uma tarde, ocorrem duas vezes ao ano. “O resultado é um cliente mais confiante com os investimentos dele e mais seguro com as decisões”, afirma Carolina. Em novembro o Credit traz ao Brasil um curso focado em governança familiar.
O private banking do Citi leva 50 herdeiros uma vez por ano para seminários de cinco dias em Nova York, Londres, Cingapura e Hong Kong. Dentre os temas estão mercados financeiros globais, empreendedorismo, inovação, estruturas de sucessão, filantropia e investimentos alternativos. Três brasileiros participaram do último evento em Nova York.
O Citi busca reunir herdeiros de quatro regiões do globo. “Todas as famílias bem-sucedidas querem entender o que as outras estão fazendo”, diz Cesar Chicayban, responsável pelo private bank do Citi no Brasil. Com o programa, segundo ele, as famílias passam a ver o banco como parceiro, não apenas provedor de produtos. “Um dos grandes desafios dessas famílias é formar os herdeiros. A principal angústia delas é que as famílias crescem em progressão geométrica, enquanto o patrimônio cresce em progressão aritmética”, afirma.
O HSBC também tem eventos em que incentiva o relacionamento entre os clientes. “Muitas vezes os clientes acabam fazendo negócios entre eles durante os eventos”, conta Gabriel Porzecanski, diretor de private banking do HSBC. É o que acontece no “Family Enterprise”, evento que o banco promove com palestras e atividades para integrar famílias de diferentes países. A expectativa é de que o programa venha pela primeira vez para o Brasil em dezembro, com a participação de 25 pessoas. Desde 2007, o HSBC já oferece no Brasil um curso para sucessores.
O Santander também está prestes a lançar um programa de formação de herdeiros, com previsão de realização da primeira edição em novembro, e focado em pessoas de 23 a 35 anos. “A preocupação é mostrar quais são os instrumentos, os impactos e os cuidados necessários para garantir a transição do patrimônio”, diz Marcos Shalders da Silva, superintendente executivo de private banking do banco. “A ideia surgiu quando percebemos que havia certa dificuldade em lidar com o tema da herança”, complementa.
Com foco em empreendedorismo, o BTG Pactual realiza desde 2010 o evento “Futuros Líderes”. Durante três dias, os 50 participantes recebem orientações sobre planejamento financeiro e como isso é vital para a formação de um novo negócio. “Desenvolvemos também programas para que as famílias entendam os processos de investimentos. O cliente fica dois dias no banco para entender o mercado financeiro”, diz Renato Cohn, chefe da área de gestão de fortunas.
A ideia dos cursos não é criar sucessores para comandar as empresas familiares, mas sócios preparados. “Os herdeiros que mais criam problemas no processo de continuidade são os mal resolvidos, que não têm projeto de vida ou um sonho pessoal”, diz Bernhoeft, que já na década de 80 levava herdeiros para conhecer empresas familiares na Europa. Ele cita o caso do cineasta Walter Salles, filho do fundador do Unibanco. O irmão dele, Pedro Moreira Salles, é presidente do conselho de administração do Itaú. “Quanto mais brilhante cineasta for o Walter, melhor acionista ele vai ser, porque está realizado em outro lugar”, diz Bernhoeft.
Do Valor Econômico