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Cartão-presente e o ICMS

Contabilidade

Por Mauri Bórnia e Sérgio Villanova Vasconcelos

Com a proximidade do Natal, é possível verificar um aquecimento no mercado varejista, em razão do aumento da procura de presentes. Dentre as alternativas oferecidas ao consumidor, o cartão-presente surge como uma boa opção, especialmente em razão da flexibilidade que o presenteado possui na hora de escolher o produto que deseja ganhar.

Prática comum em outros países, como nos Estados Unidos da América, a venda de cartão-presente (gift card) vem crescendo de maneira considerável no mercado brasileiro. Em razão disso, começam a surgir questões a respeito da sua natureza e dos efeitos tributários decorrentes da sua comercialização, como a não incidência do ICMS na venda por estabelecimento varejista.

Primeiramente, cumpre destacar que o cartão-presente nada mais é do que uma modalidade alternativa de pagamento, possuindo a característica de um cartão pré-pago de uso específico apenas junto à loja emissora, conforme ensina Eduardo Fortuna, em sua obra Mercado Financeiro (2014, p. 210).

O cartão-presente é uma modalidade alternativa de pagamento, possuindo a característica de cartão pré-pago

Em complemento à definição de Fortuna, podemos dizer que o cartão presente se assemelha a um título de crédito ao portador. No momento em que o consumidor adquire o cartão presente emitido por uma determinada empresa, o dinheiro é trocado por um cartão representativo de um crédito que poderá ser utilizado pelo adquirente, ou a quem ele o transferir, para aquisição de produtos na loja da emissora do cartão.

Em linha com essa afirmativa, podemos mencionar o entendimento da Coordenadoria-Geral do Sistema de Tributação (Cosit) da Receita Federal do Brasil (RFB), por meio da Solução de Consulta nº 46/2014. Em sua análise, o Fisco Federal entendeu que o cartão presente consiste em nova modalidade de pagamento, similar a um título de crédito ao portador. Assim, concluiu que o estabelecimento varejista que carrega e vende o cartão presente para o consumidor não atua como intermediador de negócios, uma vez que somente efetua a troca de dinheiro pelo cartão, sem a efetiva venda de mercadorias. Dessa forma, enquanto o cartão-presente não for utilizado como meio de pagamento para uma efetiva aquisição de mercadorias, o negócio relativo a esta venda ainda não terá se concretizado.

Apesar de ser uma interpretação do Fisco Federal, esse entendimento apresenta alguns aspectos interessantes que podem ser utilizados na análise acerca da não incidência do ICMS sobre a venda desse cartão por estabelecimento varejista. Vejamos.

As operações comerciais realizadas com a utilização de cartão-presente podem ser divididas em dois momentos distintos: inicialmente, o cartão é vendido ao adquirente, que, em regra, o utiliza para presentear um terceiro; este, passando a ser o titular e portador do cartão presente, realiza o seu resgate, utilizando-o como meio de pagamento para a aquisição de produtos.

Nesse cenário, destacam-se as disposições da Lei Complementar nº 87/96, que estabelecem as normas gerais aplicáveis ao ICMS. Segundo o seu artigo 2º, inciso I, o imposto incide, essencialmente, sobre as operações relativas à circulação de mercadorias. Assim, por óbvio, enquanto não ocorrer uma operação que resulte em circulação de mercadorias, não há que se falar em incidência do tributo.

Portanto, o negócio jurídico consubstanciado na venda de mercadorias somente se verifica quando o cartão presente é utilizado por seu portador na aquisição destes bens, e não no momento da venda do cartão pelo varejista.

Nosso entendimento tem como premissa a própria natureza do cartão presente. Sendo ele um título representativo de um crédito correspondente ao valor pago quando da sua aquisição, a sua venda pelo estabelecimento varejista nada mais é do que mera troca da moeda (R$) por um título ao portador representado pelo cartão-presente, com carga equivalente ao valor disponibilizado para a compra.

Por fim, importante destacar a possibilidade desse cartão ter prazo de validade. Nesta hipótese, após o seu vencimento, o adquirente fica impedido de utilizá-lo para a aquisição de mercadorias. Independentemente da obrigação de o emissor do cartão-presente restituir o valor do crédito ao portador quando do término da sua validade, a impossibilidade da utilização do cartão para a aquisição de mercadorias a partir deste momento, impede, igualmente, a ocorrência do fato gerador do ICMS, pois, sem uma efetiva operação de circulação de mercadorias, não há que se falar em incidência deste tributo.

Conclui-se, portanto, que a venda de cartão-presente por estabelecimento varejista não está sujeita à incidência do ICMS, pois não pode ser caracterizada como uma operação de circulação de mercadorias. A incidência do imposto estadual somente ocorre quando da aquisição de mercadorias por meio do resgate do cartão-presente, utilizado, como deve ser, como meio alternativo de pagamento.

Mauri Bórnia e Sérgio Villanova Vasconcelos são, respectivamente, sócio e advogado do escritório Machado Associados

 Do  Valor Econômico 

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