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Até quando vamos curtir?

Tecnologia

Por João Luiz Rosa, Guilherme Bryan e Wendel Martins | De São Paulo


Turista diante da fachada da empresa, em Menlo Park, Califórnia: por sua abrangência, o Facebook não tem hoje nenhum concorrente direto com o mesmo apelo entre os usuários, embora seja constantemente acossado por redes segmentadas, como o LinkedIn e o Pinterest

Dez anos podem parecer pouco tempo para historiadores e antropólogos, mas no setor de tecnologia da informação, cujos ciclos de inovação ficam cada vez mais curtos, uma década representa uma eternidade.

Quem entrasse em uma máquina do tempo em 1995, quando a internet foi lançada no Brasil, e saltasse em 2005, teria dificuldades de entender o mundo. Esse período foi suficiente para fazer que a rede mundial passasse de uma curiosidade científica para um fenômeno de massa. Dos 16 milhões de usuários de meados da década, ou 0,4% da população, a web passou a ser acessada por 1,018 bilhão de pessoas, 15,7% dos habitantes do planeta.

É por isso que ao completar dez anos desde sua criação, em 2003, o Facemash, sistema que deu origem ao Facebook, representa tanto um motivo de assombro – a rede social mais famosa do mundo ultrapassou 1 bilhão de usuários ativos em outubro – como uma fonte de inquietação: em 2013, ainda vamos “curtir” o Facebook?

Como muitas inovações, o Facemash nasceu de maneira despretensiosa, em um dormitório universitário. Na noite de 28 de outubro de 2003, um jovem estudante da Universidade de Harvard, Mark Zuckerberg, então com 19 anos, blogou: “Que o hacking comece”. A seguir, colocou no ar um site com imagens dos estudantes de nove dormitórios da universidade para que escolhessem o mais belo. Em quatro horas, foram registradas mais de 450 visitas e 22 mil visualizações.

O site original, o Facemash.com, foi leiloado em 25 de outubro de 2010 pelo empresário e banqueiro Rahul Jain a um comprador desconhecido. O valor pago foi de US$ 30 mil. Mas a companhia a que o sistema deu origem é incrivelmente maior. Na quarta-feira, o Facebook ostentava um valor de mercado de quase US$ 78 bilhões, com ações negociadas na bolsa eletrônica Nasdaq. O faturamento, de US$ 3,7 bilhões em 2011, aumentou 40% no ano passado, para cerca de US$ 5 bilhões.

Há algo de “Big Brother” – o programa de TV, não o livro de George Orwell – nessa trajetória do Facebook. O sucesso de uma tecnologia costuma ir além de seus méritos técnicos. Em geral, as empresas mais bem-sucedidas são aquelas que captam uma tendência no ar e, a partir de um aparato tecnológico, conseguem transformá-la em algo concreto.

Foi assim com a Microsoft, que nos anos 90 entendeu que o computador, até então restrito aos centros de processamento de dados, poderia chegar à casa das pessoas. Foi assim também com o Google, que organizou os dados na internet, tornando a rede muito mais útil e relevante.

O que o Facebook parece ter captado é um certo desejo de celebridade, que permite às pessoas comuns falarem o que quiserem, sobre o que bem entenderem, a um número de contatos aparentemente inesgotável: quanto mais amigos tem a rede pessoal, maior o alcance do que é mostrado, sejam fotos, vídeos ou meramente opiniões.

“Nos anos 90 e início dos 2000, o que chamamos hoje de rede social eram as comunidades virtuais. Essas eram anônimas e temáticas. As pessoas se reuniam para discutir temas de interesse. Parecia mais uma praça. Hoje parece mais um clube, ou um condomínio, onde as pessoas criam as suas comunidades de amigos conhecidos ou próximos e circulam informações”, diz André Lemos, professor de comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Em agosto, o arquiteto Frank Gehry apresentou a Zuckerberg o projeto de nova sede para o Facebook
Como em qualquer fenômeno complexo, é preciso evitar generalizações. Colocar a foto das férias no Facebook ou comentar sobre um assunto do dia não quer dizer que a pessoa queira se tornar famosa no sentido mais comum do termo. A dinâmica é de outra natureza: à medida que acrescenta contatos à sua rede, o usuário trata como iguais pessoas com as quais têm diferentes graus de relação. Comentar o jogo da seleção pode fazer sentido para o companheiro de “pelada”, mas não para o americano conhecido em viagem de negócios à China. Esse nivelamento reúne em uma plateia supostamente homogênea pessoas de grupos distintos.

O efeito “Big Brother” é mais nítido entre os que navegam na rede muito mais para ver do que ser vistos. Como no “reality show”, no Facebook é possível ver quem está namorando quem, “espiar” a casa nova do colega de trabalho ou o carro que o chefe deu de presente à mulher.

Com essa abrangência, o Facebook não tem hoje nenhum concorrente direto com o mesmo apelo entre os usuários, embora seja constantemente acossado por redes segmentadas – como o LinkedIn, de contatos profissionais, e o Pinterest, de compartilhamento de interesses – e iniciativas como o Google+, um conjunto de recursos sociais incorporados aos sites do Google.

“O Facebook enfrenta uma concorrência crescente do modelo do Google+, que oferece múltiplas possibilidades de conexão e organização das articulações entre seus integrantes”, observa Sérgio Amadeu da Silveira, presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação e professor da Universidade Federal do ABC. “Por isso, o Facebook está se reorganizando, na tentativa de ser uma rede total, que mais realize as necessidades de comunicação das pessoas. O LinkedIn e outras redes sociais estão enfrentando forte pressão devido a essa política expansionista tanto do Facebook quanto do Google.”

“O futuro dos anúncios sociais pertence às plataformas móveis” diz Leonardo Tristão, que dirige os negócios do Facebook no Brasil

É possível que novas ameaças à hegemonia do Facebook estejam em gestação. “Uma rede magnífica é o Club Penguin, voltado para crianças, que conta com o apoio dos pais por ser mais controlada. Se fizer bem a transição da criança para o adolescente, a rede poderá, em médio prazo, ser um fortíssimo concorrente”, afirma Luli Radfahrer, consultor de marca na internet, inovação e comunicação colaborativa.

A relevância do Club Penguin, pertencente à Walt Disney, e de redes semelhantes como a brasileira O Mundo do Sítio, é ditada pela adesão maciça do público infantil aos sites de relacionamento. Em outubro, o Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br) revelou que entre as crianças de 9 a 11 anos há uma adesão de 42% às redes sociais, índice que sobe para 70% na faixa de 11 a 16 anos. O público jovem também parece ser o alvo do Tumblr, plataforma de blogging. Entre as pessoas com menos de 19 anos, a rede de microblogs já é mais utilizada que o Facebook.

O maior adversário do Facebook, no entanto, pode não ser uma empresa. Parece contraditório, mas a popularidade de uma rede eventualmente se vira contra ela, como ocorreu com o Orkut, do Google. Muito procurado a princípio, o Orkut começou a ser abandonado pelo público sob a justificativa de que havia ficado popular demais. “As mídias sociais no Brasil e no mundo são iguais restaurantes – abrem, viram um ‘boom’ e, de repente, deixam de ser frequentados. Só continuam se o serviço for muito bom”, afirma Gil Giardelli, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

A exposição excessiva pode ser um problema para redes de caráter geral como o Facebook. As pessoas estão tomando mais cuidado com as informações que publicam em suas páginas, à medida que percebem os riscos a que estão sujeitas. Um “post” inocente sobre as férias indica a possibilidade de que a casa está sozinha, em um potencial convite para ladrões. Golpistas também já se aproveitaram de reclamações de usuários sobre um produto para se passar por representantes do fabricante em questão e lesar as vítimas.

Em maio, as ações da empresa foram lançadas com estrondo na Nasdaq, mas, desde então, os papéis nunca voltaram sequer ao seu preço inicial
Outros tipos de comportamento começam a ser revistos. O sujeito que se deixa fotografar em fim de festa, com o rosto afogueado, sem camisa e com a gravata amarrada na testa pode se arrepender na hora de procurar emprego. Se o recrutador encontrar a imagem na rede social, é possível que o currículo dele vá direto para o fim da fila.

No Brasil, por ora, o Facebook não parece ter o que temer em termos de popularidade. O país encerrou 2012 como o segundo no ranking de usuários ativos da rede no mundo, com 67 milhões de pessoas, segundo o Facebook. A base só é inferior à dos Estados Unidos. Além disso, os brasileiros também passam um tempo expressivo no Facebook. Segundo Alex Banks, diretor da empresa de pesquisa comScore, a rede social é destino de um terço dos minutos gastos na internet pelos brasileiros. No mundo, o Facebook responde por uma média de 13% do tempo gasto na web.

Não é à toa que o escritório do Facebook no Brasil vive um momento de expansão. Com mais de 40 funcionários, além de 13 vagas abertas, é a sede para a América Latina, com posições administrativas, criativas e de engenharia. O escritório, que ocupa mais de mil metros quadrados, está alinhada à cultura do Facebook, com espaço aberto para todos os funcionários – sem salas particulares -, espaços para integração, uma minicozinha e algumas áreas cujas paredes são decoradas pelos próprios funcionários.

A despeito do sucesso no Brasil e em outros mercados, o Facebook está em uma corrida para ingressar em novos segmentos e manter a relevância. É uma tentativa de prever para onde o público vai e antecipar-se nessa direção.

O mundo da tecnologia está repleto de exemplos de companhias que dominaram um mercado por muito tempo, antes que uma guinada tecnológica as surpreendesse. Tome-se o exemplo da Kodak. A centenária companhia americana reinou na área da fotografia até ser desbancada pelo advento da imagem digital, que eliminou a necessidade do filme e do papel fotográfico, suas principais fontes de receita.

É para não ser vítima de mudanças desse tipo que o Facebook está investindo em aplicativos móveis. A experiência dos usuários está migrando rapidamente do computador para dispositivos móveis, como o tablet e o smartphone. No Brasil, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), já existem mais de 260 milhões de telefones celulares, sendo 80% pré-pagos. Como vive de publicidade, o Facebook precisa garantir presença nos meios de maior audiência.

“Acreditamos que o futuro dos anúncios sociais pertence às plataformas móveis. A maior parte de nossos produtos já é desenvolvida pensando nessas plataformas”, conta Leonardo Tristão, que dirige os negócios do Facebook no Brasil. O aplicativo móvel, afirma o executivo, funciona em mais de 3 mil tipos de aparelhos. “Até agora vimos uma tendência forte de crescimento de novos usuários entrando no Facebook pelo computador, mas acreditamos que a próxima onda de conexões virá de plataformas móveis. Apostamos que o próximo bilhão virá de equipamentos como tablets, celulares e dispositivos que podem ser acessados a qualquer hora e de qualquer lugar.”

Se obtiver sucesso no ambiente móvel, o Facebook pode tornar-se uma opção às mensagens de texto ou SMS, da mesma forma que passou a concorrer com o e-mail no computador, principalmente entre o público mais jovem. “[Os dispositivos móveis são] cada vez mais a porta de entrada da internet”, diz o pesquisador de mídia e tecnologia Tiago Dória. Para o especialista, no entanto, a estratégia móvel do Facebook ainda é confusa. Há, por exemplo, produtos conflitantes, como dois aplicativos de fotos, o Facebook Camera e o Instagram, que foi comprado pela companhia por US$ 1 bilhão. Outro fator que pode atrapalhar os planos da companhia é a rejeição do consumidor à publicidade no celular.

As disputas judiciais que se seguiram à criação do Facebook foram transportadas para as telas no filme “A Rede Social”, de 2010, dirigido por David Fincher
Em janeiro, o Facebook lançou um sistema de busca social. O mecanismo ajuda a encontrar dados postados pelos membros da rede social. “O Google tem feito um bom trabalho quando cataloga e proporciona uma busca inteligente. O Facebook pode entrar nesse mercado usando o poder do conhecimento e a curadoria social”, comenta Marcelo Marzola, executivo-chefe da Predicta, empresa especializada em sistemas para a web. “No marketing atual, o que você é talvez não seja mais tão importante, mas sim saber o que você busca, quais são as tendências sociais e qual é a sua atitude.”

A despeito dos esforços feitos até agora, o Facebook parece engatinhar nessa área. Pelo novo sistema, para o internauta achar um serviço de pintor, é preciso que esse prestador de serviço tenha uma página na rede social e os amigos “curtam” a página. “Curtir” tornou-se uma espécie de marca registrada da companhia – nada mais é que apertar o botãozinho com o desenho de um dedo levantado, em sinal de positivo, indicando que o usuário gostou do conteúdo visto.

“O Graph Search [o mecanismo de busca social do Facebook] parece ser um produto inacabado”, diz o pesquisador Tiago Dória. “Para atingir seu objetivo, seria necessário que ele indexasse grande parte da web e das interações sociais a partir de uma interface mais humana de busca.”

A investida do Facebook nos meios móveis e aplicativos não é apenas uma maneira de manter a audiência em alta. É preciso mostrar aos investidores que a companhia tem condições de criar modelos de negócio lucrativos. Quando começou, o namoro da rede social com Wall Street prometia um romance longo, repleto de lances emocionantes. Mas em 18 de maio o lançamento das ações na Nasdaq – praticamente o dia do casamento – mostrou-se um desastre. O sistema da Nasdaq travou, criando preocupação entre os investidores, e o preço do papel encerrou o dia com uma elevação mínima, de 0,6%, a US$ 38,23. Para ter uma ideia da frustração, apenas um dia antes um analista dissera que qualquer coisa abaixo de uma valorização de 50% seria considerado uma decepção pelo mercado. O pouco interesse continuou. Desde o lançamento das ações, os papéis nunca voltaram sequer a seu preço de lançamento. Na quarta-feira, fecharam a US$ 29,05.

“[O Facebook] tem que continuar crescendo rapidamente e talvez lançar novos produtos. Mas não sei dizer quais e como [a empresa] os fará”, diz o escritor e investidor americano Robert Scoble, uma das figuras mais atuantes no Vale do Silício, na Califórnia. A região tornou-se sinônimo de inovação ao abrigar fundos de participação em empresas, inúmeras companhias novatas e algumas das gigantes americanas do setor de tecnologia – uma longa lista que inclui Apple, Google, eBay, Yahoo, Hewlett-Packard (HP), Intel e o próprio Facebook.

Retratado com tintas pouco lisonjeiras no filme “A Rede Social”, Mark Zuckerberg, que se manteve à frente da companhia desde sua criação, terá de mostrar-se hábil em escapar de uma armadilha comum a empresas de tecnologia que crescem rapidamente. É um dilema clássico. Quando pequenas, as empresas costumam arriscar-se mais. A ideia é que, se o negócio não der certo, as perdas também não serão grande coisa. Mas à medida que crescem, a busca pela inovação fica mais difícil, principalmente para quem negocia ações em bolsa e deve satisfações aos acionistas.

O desafio para os gigantes de tecnologia é ficarem atentos à “próxima grande coisa” sem descuidar dos produtos e modelos que os levaram a ser grandes. Mesmo com equipes de engenharia e laboratórios repletos de recursos, elas gastam boa parte do tempo e da energia para atualizar o que já existe. Isso abre espaço para que companhias menores acabem sendo mais inovadoras e roubem a liderança tecnológica. “Várias empresas com posições estabelecidas acabaram sendo suplantadas por novos serviços que ofereciam uma melhor experiência ao usuário”, nota Marzola, da Predicta.

O ciclo não tem fim. Assim que ganha destaque e assume proporções maiores, a empresa que assumiu a dianteira se vê diante de uma gestão complexa, com muitas obrigações e exigências de todo tipo. Aos poucos, deixa a inovação de lado, mesmo a contragosto. Muitos engenheiros e gênios da computação que começaram na companhia acabam abandonando o barco, em troca de uma empresa menor, na qual possam trabalhar com mais liberdade.

Foi esse movimento, com algumas variações, que permitiu que a Microsoft tomasse a dianteira tecnológica da IBM, nos anos 90, e uma década depois o Google superasse a Microsoft. O Google, por sua vez, não percebeu o movimento do Facebook. Ou seja, os períodos de domínio ficam cada vez mais curtos.

O Facebook, embora ainda na infância, não está imune a esse risco, dizem especialistas. “O problema não está na idade, mas no tamanho. No começo, o Facebook era destinado ao público universitário. Havia uma certa liberdade temática e uma atualização tecnológica que não se repete mais quando o mundo todo, com pessoas de todas as idades e estratos sociais, e usando todo tipo de aparelho, está no site”, diz o consultor Luli Radfahrer. “Essa participação gigantesca faz que a rede comece a ter problemas sérios de instabilidade, pois qualquer mudança fica mais engessada e lenta. Afinal, é preciso satisfazer muita gente.”

Curiosamente, o caminho para uma companhia que liga pessoas de qualquer parte do mundo por um meio virtual pode estar na capacidade de permitir que essa interação ganhe contornos na vida real. “O Facebook foi a primeira grande mídia social global e também a primeira a trazer as empresas para a rede social. Agora está numa grande bifurcação: vai tornar-se a grande rede que funcionará por mais 20, 30 anos ou começar a ser abandonada, como está acontecendo em alguns países mais maduros?” questiona Giardelli. “Se conseguir gerar encontros na vida real, durará muito tempo, mas se ficar só no curtir ou não curtir poderá ter próximos anos bastante complexos.”

Uma tática que poderá ser usada pelo Facebook é a da chamada posição ambidestra. Ou seja, utilizar o lucro gerado por negócios estabelecidos e vencedores para subsidiar negócios arriscados. Essa dinâmica permite sustentar inovações que demandam mais tempo para ter seu valor reconhecido pelo mercado. A Microsoft e a Amazon já mostraram como isso ocorre na prática. Durante anos, o console de videogame Xbox foi considerado um negócio arriscado e inovador para a Microsoft, concentrada em software e não em equipamentos. A dona do Windows teve vários fracassos na área de equipamentos, como o tocador de música Zune, mas insistiu no Xbox. Deu certo. Hoje, o produto é uma fonte de receita da companhia. O leitor de livros eletrônico Kindle, da Amazon, demorou três anos para ser desenvolvido, período em que foi financiado pelos negócios tradicionais do site de comércio eletrônico. Atualmente, está a caminho de se tornar uma fonte de receita para a empresa.

Quem sabe, os próximos dez anos do Facebook rendam uma continuação para o filme que contou a história da criação da rede, como Hollywood gosta de fazer com produções de sucesso. Será curioso saber quem vai interpretar o papel do brasileiro Eduardo Saverin, que foi cofundador da rede social e teve uma série de problemas com Zuckerberg, com quem acabou rompendo. Em “A Rede Social”, Saverin – que atualmente mora em Cingapura – foi interpretado por Andrew Garfield, que depois ficaria com o papel do Homem-Aranha. Fora das telas, as atenções voltam-se para Zuckerberg e se ele será capaz de se tornar um herói empresarial que não só ajudou a conceber um fenômeno de massa, mas saberá manter a relevância de seu legado.

 

O mundo que o Facebook criou? 

Por Renato Janine Ribeiro | Para o Valor, de São Paulo

“O Mundo que os Escravos Criaram”, “O Mundo que os Senhores de Escravos Criaram” foram dois livros seminais na historiografia dos Estados Unidos; neles me inspiro para este título. O Facebook criou um novo mundo? Comecemos por uma das principais discussões dos últimos cem anos: rupturas tecnológicas causam mudanças sociais? Pensemos na invenção da imprensa, da pólvora, na descoberta das vacinas e da penicilina, na invenção da pílula anticoncepcional, da internet e do Facebook. Em todos os casos houve consequências sociais relevantes. Imprensa e internet mudaram o tamanho das relações humanas. A pólvora revolucionou a guerra. A vacina e a penicilina salvaram numerosas vidas. A pílula ajudou a libertação sexual. Mas essas invenções causaram as mudanças, ou “apenas” amplificaram seu impacto? Uma invenção basta para mudar o mundo, ou só emplaca quando a sociedade está pronta? Há exemplos para o sim e para o não.

Não: a pólvora. Os chineses a usaram por milhares de anos, mas em fogos de artifício – para beleza e diversão, não para a morte e a guerra. Somente se torna arma na Europa quase moderna. Sim: vários progressos da medicina, como a penicilina. E uma posição intermediária, sim, mas não sozinha: a saúde pública. A queda fantástica da mortalidade infantil no século XX e a forte redução na letalidade das doenças devem muito ao saneamento básico, que por sua vez foi mais determinado por movimentos sociais e pela ascensão das classes pobres, do que por invenções de laboratório. Aparentemente, não há uma resposta única para a pergunta. Mas há uma tendência do pensamento conservador a depreciar as causas sociais e a enfatizar as invenções técnicas. Estou convicto de que é preciso analisar caso a caso, o que leva a uma resposta matizada, mas com maior acento nos determinantes sociais. Estes não são “causas”, mas oportunidades e caixas de ressonância.

Como fica o Facebook nesse quadro? O mundo das redes sociais é muito diferente de tudo o que houve antes. Realiza os 15 minutos de fama que Andy Warhol predizia para todos nós. Pessoalmente, desde que eclodiu a internet, sonhei que ela criasse uma nova ágora, a maior da história. A ágora era a praça em que se juntavam os cidadãos, na Atenas antiga, para decidir sobre assuntos públicos. Sir Moses Finley diz que essa assembleia de todos se reunia 40 vezes por ano, o que deve ser um recorde inigualado de interesse popular pelos assuntos políticos. Mas há algo parecido no Facebook? Em dois anos de frequentação constante, só notei a degradação do debate. Li há poucas semanas que o FB teria aperfeiçoado (sic) o algoritmo que escolhe o que você vê no seu “feed de notícias”: a rede destacaria, na sua página, posts de quem tem gostos ou valores parecidos. Deve ser por isso que nunca vejo posts de homófobos ou de fascistas; mas, pela mesma razão, recebo poucos posts de quem discorda de mim na política ou na sociedade. Isso é lamentável: o contato com a diferença se reduz a pouco.

Pode ser então que a tecnologia até refreie o debate. Ela abriu um grande espaço de discussão com o Facebook, mas o fechou ao só juntar os parecidos. Mas isso resulta de uma invenção técnica, ou de uma demanda social? Porque nosso tempo é marcado por um forte narcisismo (“Faces, estou na praia!”), a vontade de encontrar almas gêmeas ou mesmo clones, em suma, a indisposição à diferença, ao diálogo, ao debate. Em particular no Brasil, onde a convicção democrática do respeito a quem pensa diferente de nós quase não existe.

Porque, e este é o segundo ponto, mesmo ali onde a tecnologia não bloqueia o diálogo, este não acontece. Parte significativa dos comentários que leio são redundantes em relação ao que está dito no post. O pensamento complexo encontra tão pouco espaço no FB quanto em qualquer outro lugar – e menos que na imprensa, que no Brasil já não é exemplar pela disposição a mostrar o outro lado, a promover o diálogo. No caso dos jornais, não falo do “outro lado” no sentido banal, como telefonar a alguém para saber sua versão de um fato. Penso, sim, na possibilidade de introduzir, dentro do próprio pensamento, o seu contrário. O que temos no Brasil é, na imprensa, um discurso dominante de oposição ao governo e à esquerda, e nos blogs de esquerda o contrário exato disso. Há um enfrentamento externo de opiniões, mas não a compreensão de que o pensamento deve ser, em seu próprio interior, marcado pela dúvida e o autoquestionamento. Este é um traço da cultura política brasileira, ou da ausência de tal cultura; nosso déficit democrático, para o qual não vejo chance de mudança a curto prazo.

O virtual será então uma lupa sobre o real, uma ampliação do que acontece na realidade, no mundo da presença? Não é só isso; ele retira gente da solidão; para os perseguidos ou os isolados, é um bálsamo, porque multiplica seus amigos e associados. Mas ele evidencia também nossa deficiência democrática, que é difícil de sanar, justamente porque a solução não depende da tecnologia, mas da sociedade.

Renato Janine Ribeiro, colunista do Valor, é professor de filosofia na Universidade de São Paulo (USP)

Fonte: Valor Econômico

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