Logotipo NCC

Apertem os cintos: o piloto (quase) sumiu

Tecnologia

Por Chico Barbosa | Para o Valor, de São Paulo

Divulgação / DivulgaçãoClasse S 500 Intelligente Drive, da Mercedes-Benz, rodou 100 km em percurso urbano e rural, na Alemanha, sem a intervenção do “motorista”

Pode estar com os dias contados o prazer de dirigir um automóvel, no sentido de se sentir domando a máquina, segurando firme o volante, trocando de marchas, enfim, sendo o “senhor” que dá vida e movimento ao velocímetro no quadro de instrumentos. E esse veredicto não decorre exatamente porque a tendência natural é de cada vez mais optarmos por transportes públicos ou mesmo porque, para enfrentar o trânsito caótico, só contratando um motorista para ir e vir, enquanto se ganha tempo e economiza paciência nos assentos dos passageiros. 

O ato de pilotar pode se tornar obsoleto, ou ao menos cada vez mais facultativo, porque, a julgar pelas iniciativas de diferentes atores envolvendo indústria automobilística e empresas de tecnologia de ponta, é questão de tempo para que o veículo tenha a opção de se locomover por conta própria – senão não completamente sozinho, feito os midiáticos aviões não tripulados conhecidos como drones, ao menos de forma independente, com pouca intervenção de quem está sentando no banco do condutor. 

Se pararmos para pensar, não é de hoje que o automóvel toma algumas decisões por meio de comandos devidamente “treinados”, sem precisar consultar o motorista. O popular piloto automático é uma manifestação nesse sentido, embora fosse mais prudente chamar esse equipamento de controlador de velocidade, uma vez que ele não opera o veículo, apenas o deixa em aceleração constante ou o impede de ultrapassar determinado limite. 

Seguindo a mesma trilha, nos modelos mais avançados é comum recursos que acendem os faróis sempre que o ambiente escurece, acionam os limpadores tão logo caiam as primeiras gotas no para-brisas e regulam a suspensão de acordo com o perfil do piso. Até as ações mais corriqueiras, como travamento das portas e fechamento dos vidros quando o alarme é acionado, entrariam na mesma categoria de um ser parcialmente autônomo. Mas, por enquanto, nenhum automóvel foi capaz de dispensar a presença completa (ou quase) do condutor, rodando e tomando decisões feito um robô. Ao menos não publicamente. 

Em ambientes privados, porém, melhor dizendo, em pistas e campos de circuitos fechados ou restritos, o carro que anda sozinho tem deixado de ser uma possibilidade futurista, imaginada apenas pelos “Professores Pardal” de plantão. A rigor, essa invenção está a um passo de ganhar as ruas em definitivo, a partir de iniciativas que há tempos deixaram de ser casos isolados, agora vindas de diferentes partes do mundo, como Alemanha, Japão e Estados Unidos, mostrando haver um pensamento orquestrado em torno do tema.

Um dos estudos mais recentes que se aproxima desse conceito é desenvolvido pela Mercedes-Benz, e atende pelo nome de Classe S 500 Intelligent Drive. A bem da verdade, ainda não é um veículo autônomo puro-sangue, mas semiautônomo, pois precisa do piloto para dar os “starts” nas operações ou vigiar o seu andamento. Quem vê do lado de fora não sabe do que ele é capaz, remetendo ao modelo convencional. Nada ou muito pouco dá pistas da sua, digamos, independência. A diferença está na profusão de sensores e câmeras estrategicamente colocados e na eletrônica embarcada, tudo conectado ao GPS e à internet, capazes de fazer o carro seguir seu caminho sem se perder ou provocar acidentes. Mas isso só entendidos percebem. Em ação, a história é outra e o automóvel mostra sua verdadeira faceta. 

As primeiras experiências com o Classe S 500 Intelligente Drive foram promissoras. O automóvel fez um teste de 100 km em percurso urbano e rural e se saiu bem, parando nos semáforos, antes de faixa de segurança, respeitando pedestres e ciclistas, realizando ultrapassagens corretamente e escapando “inteligentemente” do trânsito, como era de se esperar. Tudo sob os atentos olhos de engenheiros, que, detalhe, estavam a bordo como meros passageiros, nenhum no papel de motorista. De tão certo, o modelo já está chegando ao mercado europeu, sem permissão para sair de casa sozinho, bem entendido. Ainda assim, toda essa parafernália eletrônica é uma mão na roda para auxiliar o motorista no trânsito. 

“Do ponto de vista de desenvolvimento de produto, o S 500 Intelligente Drive está pronto para rodar no Brasil também”, afirma Glauci Toniato, gerente de marketing e de produtos automóveis Mercedes-Benz. Para que seja utilizado em sua plenitude, porém, o modelo depende do apoio de sistemas de mapas e câmeras mais precisos do que o que dispomos hoje por aqui. Por isso, a versão 2014 do S 500 que acaba de chegar ao Brasil ainda não conta com todos esses recursos, uma vez que encareceriam o produto e, nas atuais condições, seriam subutilizados. Mas, ao ver o carro, talvez ninguém se lembre desse “detalhe” (leia texto sobre o lançamento nesta página). 

Saindo do território do alto luxo e entrando no segmento sustentáveis, temos o Leaf elétrico semiautônomo, da Nissan, que foi homologado para rodar pelas vias japonesas. Assim como seu par mais suntuoso da outra marca, o modelo tem como objetivo auxiliar o motorista no trânsito, ainda sem dispensar propriamente a sua presença, e responsabilidade, pela condução. Utilizando dados cartográficos precisos, o Leaf é capaz de fazer análises que permitem antecipar cruzamentos, parar diante do risco de aproximação de outros carros, desviar de obstáculos e fazer manobras preventivas. 

Seu principal objetivo é aumentar a segurança durante a locomoção. Valendo-se de câmeras e sensores, o carro pode auxiliar o motorista quando suas percepções falharem ou, humanas que são, não conseguirem ter precisão suficientes. Em vez de agir de forma instintiva ou intuitiva, os comandos recorrem a recursos técnicos na hora de entender, avaliar e entrar em ação. Sem ficar refém de nenhum determinismo, o ideal é se cercar de ambos. “O futuro da mobilidade individual também é ser autônoma, e estamos investindo seriamente para atender nossos clientes nesse sentido”, afirma Aderson Suzuki, gerente de produto para veículos elétricos da Nissan do Brasil. 

Até o virtual Google, quem diria, está com um pé na vida real. E de forma mais agressiva. A empresa de tecnologia mais valiosa do mundo está fazendo testes em um modelo Lexus RX450, equipado com toda parafernália eletrônica capaz de conduzi-lo sem o auxílio do motorista. Trata-se de um autêntico carro autônomo. Ao que parece a experiência tem dado certo. Notícias dão conta de que o veículo já rodou centena de milhares de quilômetros sem sair do script. Ao contrário dos modelos citados anteriormente, discrição não é o seu forte. O carro, feito um outdoor ambulante, desfila a portas fechadas com uma engenhoca na capota que fica rastreando e reconhecendo o entorno para abastecer o veículo de informações. Claro que, se um dia vier a ser comercializado em associação com uma montadora, terá um versão mais sedutora aos olhos do mercado. 

De todo modo, não precisa de muita pressa. A estimativa é de que esses modelos donos de si comecem ser vendidos só a partir de 2020. Um dos entraves para compor a paisagem urbana são as legislações dos países, que não permitem que um carro por si só seja o responsável pelas suas atitudes no trânsito. 

O outro impeditivo momentâneo seria o aculturamento do próprio consumidor com novidades que envolvam rupturas de paradigmas. Leva algum tempo para a gente entender que o mundo do Autorama, do carrinho acionado por controle remoto, ganhou vida. Seja como for, o fato é que, pelo que se percebe, se hoje carro está demodé, em breve será a vez do motorista sair de moda.

 

Do Valor Econômico

Leia também