Por Nivaldo Cleto*
Direto do Japão trazemos o segundo dia de nossa cobertura do Fórum de Governança da Internet da ONU (IGF), seguindo com nossa seleção de pautas de destaque para a comunidade brasileira. O Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br está participando de diversas sessões do IGF. (Na foto acima, Vint Cerf, o Pai da Internet, que criou as regras e bases da comunicação entre computadores em rede ao desenvolver os protocolos TCP/IP.)
A Internet daqui a 20 anos: evitando a fragmentação
O painel propõe refletir sobre como a Internet se parecerá em 2043, e é apoiado por um artigo da DNS Research Federation[i]. Os panelistas iniciaram fazendo considerações sobre suas próprias previsões feita anteriormente, mencionando situações como a crença de que a Internet nunca se expandiria para além do meio acadêmico, que a Wikipedia era um projeto impossível, e até de pessoas que já imaginavam que câmeras se tornariam um equipamento universal que seria onipresente em nossas vidas.
Foi comentado por um participante da plateia que o que move os protocolos e evolução da Internet são as aplicações que são desenvolvidas e geram interesse nos usuários, como foi o caso do streaming de multimídia e todas as demandas que isso trouxe (podemos pensar em invenções como as CDNs, que facilitam grandemente a distribuição de conteúdo de modo local sem causar tanto peso para os servidores da plataforma). Desse modo, o que vai acontecer com a Internet depende de o que for inventado e causar interesse.
Outro participante mencionou que estamos em um ponto de inflexão, no qual existem organismos internacionais estabelecidos para debater e evoluir essas questões, mas eles não são inclusivos de pontos de vista o suficiente e que não geram uma representatividade que realmente crie imagens realistas de o que o futuro desejado se parece.
Foi comentado que existe uma diferença entre a fragmentação técnica e a fragmentação de um ponto de vista regulatório e legal. Existe uma forte tendência dessa fragmentação legal que já está sendo observada, e que no caso é mais notável que uma fragmentação técnica. Isso também é apoiado por uma própria fragmentação da sociedade e da radicalização de pontos de vista que estamos observando aumentar progressivamente.
Henri Verdier, empresário francês e especialista digital que atua como embaixador do país para assuntos digitais, mencionou que sempre existirão padrões técnicos, mas que alguns Estados não gostam disso e que muitas empresas não se importam. Isso pode ser observado, por exemplo, dentro do contexto da privatização dos cabos submarinos que possibilitam o acesso a Internet global, se convertendo de algo que era semipúblico para um bem privado. Mencionou também que a diplomacia digital é uma tendência forte e crescente que não era prevista antes, mas que uma parte significativa da diplomacia hoje é em torno de temas digitais.
Da plateia veio a intervenção de que o dinheiro é um fator forte que está influenciando as inovações, como observamos nos espaços de crypto. Essa impressão foi reforçada por outras intervenções que trouxeram essa ideia por outras óticas, desde games e apostas, até o financiamento de guerras e terrorismo por meio de moedas digitais. Se mencionou de modo associado temas como a continuidade da segurança global.
Outro participante menciona que a fragmentação legal é algo que realmente está sendo observado, conforme governos passam leis que, por um lado, ditam a necessidade de privacidade, e, por outro, restringem o que as pessoas podem dizer e como podem agir online; isso até então não carregou custos políticos significativos para esses governos.
Dentro do tema de incentivos, um participante mencionou que o que muitas pessoas estão procurando na Internet hoje em dia é entretenimento (como em games e memes) e atenção (como no caso das redes sociais e o fenômeno de se focar em mostrar uma vida bela nas redes sociais sem se focar em vivê-la). Se esses incentivos continuarem sendo centrais, isso poderia levar ao desenvolvimento se centrar basicamente em torno dessas questões.
Bertrand de la Chapelle, diretor e cofundador da Internet & Jurisdiction Policy Network, trouxe a perspectiva que em uma realidade ideal se constrói uma Internet que seja interoperável, mas autônoma, de forma que esses fatores se comuniquem e se consigam operar de maneira unificada, sem de fato causar uma fragmentação, mas permitindo que exista liberdade na tomada de decisões políticas.
Izumi Aizu, professor e pesquisador sênior do Institute for InfoSocinomics, Kumon Center, Tama University em Tóquio, mencionou como é importante pensar não somente na Internet em si, mas nas coisas que cercam a Internet. Questões como a climática podem se tornar algo central ao debate, com limitações como de que só se possa operar um certo número de servidores ou que as IA só possam gerar uma certa quantidade de emissões de carbono, e assim por diante. Essas questões externas muitas vezes são o que acabam orientando o desenvolvimento de tecnologias e lógicas de progresso.
Olaf Kolkman, consultor sênior e porta-voz da Internet Society, mencionou como a evolução da tecnologia não se dá somente em fóruns e grupos de padrões, mas que todo o tempo são lançados novos artigos que podem revolucionar o que está em foco, como foi o caso das criptomoedas e de uma série de desenvolvimentos em IA. Muito da inovação vem diretamente de código e ideias que são abertamente distribuídas, e isso é algo que tem que ser observado como prioridade.
O debate se provou bastante frutífero e trouxe ponderações interessantes que podem ser utilizadas como insumo para projetarmos a evolução do pensamento de nossas estratégias, empresas e organizações.
Confira a sessão
The Internet in 20 Years Time: Avoiding Fragmentation
Como melhorar a participação e a cooperação das OSCs em fóruns de governança da Internet multissetoriais
A Comissão Europeia lançou uma nova iniciativa chamada “Alianças da Sociedade Civil para o Empoderamento Digital” (CADE), liderada pela Diplo Foundation e financiada pela Comissão Europeia. Este projeto tem como objetivo melhorar a participação da sociedade civil nos processos internacionais de governança da Internet (GI), com foco especial no Sul Global. O objetivo é abordar os desafios enfrentados na GI, incluindo a fragmentação de fóruns, falta de capacidade e compreensão dos impactos dos direitos humanos e as necessidades do desenvolvimento tecnológico.
A iniciativa busca promover uma abordagem mais inclusiva para a GI, envolvendo a sociedade civil de forma multisetorial, permitindo a inclusão de diversas perspectivas. Dessa forma, pode chamar a atenção para questões que atualmente estão sub-representadas nos fóruns de GI. A falta de diversidade e inclusão em organismos especializados de padronização também é destacada como uma preocupação.
Esforços devem ser feitos para abordar essas disparidades e garantir que uma ampla variedade de perspectivas seja considerada nos processos de tomada de decisão. A capacitação, a participação de base e o direcionamento do envolvimento são identificados como áreas-chave que requerem atenção das organizações da sociedade civil para contribuir eficazmente para os processos de GI e advogar por seus interesses.
Parcerias entre organizações da sociedade civil do Norte Global e Sul Global são incentivadas para facilitar a troca de conhecimento e a colaboração para uma abordagem mais justa e eficaz para a governança da Internet. Oportunidades para o envolvimento público são encontradas no setor ambiental e nos direitos da juventude, onde a participação pública pode contribuir para o progresso.
Embora a contribuição coletiva das organizações da sociedade civil seja valiosa, é importante encontrar um equilíbrio entre a ação coletiva e a preservação de opiniões e perspectivas diversas. Garantir que vozes diversas sejam incluídas é essencial para processos de tomada de decisão eficazes. A colaboração entre organizações e a construção de redes podem beneficiar significativamente a sociedade civil, ampliando seu impacto e criando uma voz coletiva mais forte.
Navegar nos procedimentos de participação em vários órgãos internacionais ainda é um desafio para a sociedade civil, mas o engajamento estratégico em fóruns específicos pode ajudar a alcançar seus objetivos. O envolvimento a longo prazo e a compreensão das tendências são considerados cruciais para o sucesso.
Em conclusão, o projeto CADE visa capacitar a sociedade civil e promover sua participação ativa na governança internacional da Internet. Abordar os desafios de fragmentação, capacitação, diversidade e inclusão é crucial para alcançar uma abordagem mais inclusiva e eficaz para a GI. Através de parcerias, colaboração e engajamento estratégico, a sociedade civil pode desempenhar um papel significativo na formação do futuro da Internet.
Confira a sessão
How to enhance participation and cooperation of CSOs in/with multistakeholder IG forums
Avançando na governança digital inclusiva baseada em direitos humanos
A UNESCO se posiciona com tendo defendido uma governança digital inclusiva e baseada em direitos humanos por meio de seu envolvimento com a comunidade do Fórum de Governança da Internet já há 17 anos. Na sua 38ª Conferência Geral, a UNESCO endossou o conceito de Universalidade da Internet com seus quatro princípios “R.O.A.M.”: uma Internet baseada em Direitos Humanos, seguindo os princípios de abertura, acessibilidade e participação multissetorial[ii].
O framework de universalidade da Internet da UNESCO definido como ROAM-X conta com 303 indicadores, incluindo 79 que abordam questões transversais relacionadas à igualdade de gênero, juventude, dimensões éticas e desenvolvimento sustentável, e incorpora os princípios R.O.A.M. Desde o seu lançamento no IGF 2020, a Coalizão Dinâmica sobre os indicadores de Universalidade da Internet (Dynamic Coalition on Internet Universality Indicators, DC-IUI), iniciada pela UNESCO, desempenhou um papel crucial no apoio a mais de 40 pesquisas nacionais em cinco continentes.
A Coalizão tem consistentemente organizado reuniões e sessões durante o IGF global e os IGFs regionais na África, Ásia-Pacífico, EuroDIG e outras regiões em que a UNESCO está ativamente envolvida. Neste ano, a sessão da Coalizão Dinâmica se concentrou na atualização dos indicadores ROAM-X para incluir novas dimensões relevantes no framework e garantir o aspecto transformador das recomendações formuladas na avaliação nacional do ROAM-X.
Além disso, a sessão procurou incentivar sinergias e colaboração entre o projeto de Indicadores de Universalidade da Internet (IUIs) e outras iniciativas apoiadas pela comunidade do IGF, a fim de avançar conjuntamente na formulação de políticas baseadas em evidências e capacitar os interessados ao redor do mundo por meio de nossa Coalizão Dinâmica.
A Coalizão Dinâmica busca trabalhar em conjunto com parceiros para apoiar o Pacto Digital Global da ONU e acelerar o progresso em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Para isso, debateu as seguintes questões no fórum desse ano:
Primeiro, discutir a revisão do framework ROAM-X à luz do rápido desenvolvimento e dos desafios sem precedentes apresentados pela transformação digital, explorando como o framework pode ser adaptado para abordar efetivamente essas dinâmicas em evolução e garantir sua relevância contínua na navegação das complexidades da era digital.
Segundo, refletir sobre como o framework ROAM-X pode apoiar a formulação de políticas de governança da Internet que capacitem todas as pessoas e apoiem a formulação e implementação do Pacto Digital Global, promovendo uma abordagem colaborativa e inclusiva para a governança digital.
Finalmente, reunir e expandir os membros da Coalizão Dinâmica do IGF sobre os indicadores de Universalidade da Internet ROAM-X, reforçar a parceria extensiva com a comunidade da Coalizão Dinâmica para avançar na governança digital por meio da promoção de sinergias e colaboração entre o projeto de Indicadores de Universalidade da Internet (IUIs) e outras iniciativas apoiadas pela comunidade do IGF.
Fabio Senne, Nivaldo Cleto, Alexandre Barbosa e Rosauro Baretta após o Workshop
Assista a sessão
Advancing rights-based digital governance through ROAM-X
Fala de Vint Cerf na cerimônia de abertura IGF 2023
(*) Nivaldo Cleto é empresário de contabilidade e de certificação digital, conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil CGI.br e membro da ICANN Business Constituency – BC