O imposto sobre a renda cobrado no Brasil é injusto e incompatível com tributo do mesmo gênero adotado por países da OCDE
Era 31 de dezembro de 1922, um domingo, quando uma edição extra do Diário Oficial da União informava a instituição do Imposto de Renda no Brasil, por meio da publicação da Lei 4.625, com apenas um artigo e oito incisos da lei orçamentária de 1923.
Pelo fato de ter sido criado em meio a críticas por sua complexidade e exigência de uma máquina administrativa eficiente, o tributo começou a ser cobrado um ano mais tarde, até a finalização de um regulamento e sistema arrecadador.
Nos primeiros anos de cobrança, a participação do imposto na receita tributária da União era tímida, em torno de 3%. Da lista de tributos federais, estava à frente apenas do imposto sobre loterias. Na década de 1930, passou a representar 8% da arrecadação. Na época, o imposto de importação liderava, seguido pelo imposto de consumo.
Com a queda do comércio internacional, decorrente da Segunda Guerra Mundial, e a consequente redução na receita dos impostos aduaneiros, o governo decidiu aperfeiçoar o sistema de arrecadação e investir no imposto de renda, com a criação da Comissão de Reorganização dos Serviços da Diretoria do Imposto de Renda.
Em cinco anos, a participação do tributo na receita tributária passou de 10% para 28%, até alcançar, em 1943, o primeiro lugar na arrecadação. Também contribuíram para essa performance o crescimento econômico e o enriquecimento de parcelas da população.
LIDERANÇA
Desde 1979, o imposto de renda cobrado das pessoas físicas é um dos campeões em arrecadação na lista de tributos administrados pela União, façanha que se repete nos dias de hoje, sobretudo pela falta de correção da tabela do Imposto de Renda, reajustada pela última vez em 2015.
Segundo levantamento da Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), a defasagem acumulada da tabela do IR das pessoas físicas é de 147,4%. Hoje, a isenção alcança quem ganha menos que R$ 1.903,98 por mês.
Atualizadas pela última vez em 2015, as faixas de renda, que servem como base para a cobrança do IR, têm sido defasadas cada vez mais pela inflação. Com isso, brasileiros com renda cada vez menor têm caído nas garras do Leão.
Por conta da defasagem acumulada, para o exercício de 2023, caso a tabela permaneça a mesma, 15,4 milhões de contribuintes vão suportar o ônus do imposto no ano que vem, quando deveriam estar na faixa de isenção.
A falta de atualização atinge em cheio a classe média. Atualmente, a maior alíquota de IR, de 27,5%, incide sobre a renda mensal acima de R$ 4,6 mil. Se houvesse o reajuste com base nos valores da inflação, o trabalhador com esse rendimento pagaria alíquota bem menor, de 7,5%.
DESEMPENHO
Abrangente e incidente sobre o total de rendimentos da população, o IRPF ainda é uma importante fonte de receitas para a União. De acordo com os dados mais atuais da Receita Federal, de janeiro a julho deste ano, a arrecadação com o IRPF atingiu R$ 36,64 bilhões.
Já o imposto retido em fonte (rendimentos do trabalho, capital e de residentes no exterior), somou R$ 188,87 bilhões, o que representa uma alta de 16,39% na comparação com o mesmo período do ano passado e uma participação de 14,43% do total da receita tributária da União, maior que a da Cofins, de 14,16%. Do total do imposto retido em fonte, a maior parcela, de R$ 103 bilhões, corresponde aos rendimentos do trabalho.
O CÁLCULO
O Imposto de Renda é cobrado sobre o total de rendimentos da população. As regras sobre a cobrança envolvem diferentes alíquotas (7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%), listas de isenções e uma tabela de deduções para cada faixa de renda.
O tributo é calculado com base na soma de todos os rendimentos tributáveis e na faixa de renda do contribuinte. O valor cobrado e eventuais restituições (devolução do que foi recolhido a maior durante o ano) vão depender não só do total de rendimentos e da faixa de renda de cada contribuinte, como também da quantidade de fontes pagadoras, número de dependentes e total de despesas passíveis de dedução, relacionadas à saúde e educação.
Pela tabela em vigor, estão isentos aqueles que recebem até R$ 1.903,98 por mês, descontada a contribuição previdenciária. A partir deste valor, as retenções são calculadas com base em alíquotas de 7,5%, 15%, 22,5% ou 27,5%, aplicadas sobre o valor dos rendimentos, descontada a parcela dedutível (desconto fixo) para cada faixa de rendimento.
DISTORÇÕES
Estudo coordenado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), intitulado “O sistema tributário dos países da OCDE e as principais recomendações da entidade”, aponta várias distorções na tributação sobre a renda no Brasil, considerada regressiva, o que torna impossível o ingresso do País como membro da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
De acordo com o estudo, os países de economia avançada da OCDE costumam ter imposto de renda com tabela progressiva e alíquotas que começam entre 10% e 20%, com alíquotas máximas que atingem entre 40% e 50%. A parcela isenta se situa ao redor de 1.200 dólares internacionais mensais (cerca de R$ 6 mil).
Nos três países da América Latina que fazem parte da OCDE – Colômbia, Chile e México -, a alíquota máxima do imposto de renda – 39%, 35% e 35%, respectivamente, se restringe a níveis muito elevados de renda. Já as alíquotas iniciais são, em geral, menores que nos países de economia avançada.
Já no Brasil, a alíquota inicial, de 7,5%, é mais baixa na comparação com países de economia mais avançada. E a maior alíquota, de 27,5%, está bem abaixo da praticada pelos países da Organização, e incide sobre um nível de renda baixo.
O estudo aponta, por exemplo, que o sistema de deduções da base de cálculo, como adotado no Brasil para gastos em saúde, é muito mais vantajoso, proporcionalmente, aos contribuintes mais ricos, que podem abater parcela maior do gasto nas suas declarações, além de incentivar esses gastos de maneira ineficiente.
Para corrigir distorções no imposto sobre a renda e apontar caminhos para uma tributação mais justa, o documento faz inúmeras recomendações. Sugere, entre outros pontos, a concessão de créditos tributários para qualquer tipo de gasto com saúde, no lugar do sistema de deduções atual, incluindo medicamentos (hoje proibidos de serem abatidos); aumento do limite de isenção do IR em 50%, ou seja, dos atuais R$ 1.903,98 para algo em torno de R$ 2.800 e R$ 3.000; aumento da alíquota máxima para 40% ou 45%; eliminação da alíquota de 7,5% e criação de uma ou duas faixas na tabela.
CURIOSIDADES
A história do Imposto de Renda no Brasil traz fatos curiosos, alguns com vieses machistas. Em 1932, por exemplo, um decreto do governo determinava que, na declaração em separado, só os homens podiam considerar os filhos como dependentes e terem, portanto, um abatimento no pagamento do imposto.
Outra legislação a escancarar o machismo exacerbado da época foi o Decreto 4.419, publicado em 1942, que tratava da criação do quadro permanente do Ministério da Fazenda, com 150 cargos de contadores, exclusivamente homens, na Divisão do Imposto de Renda.
Naquela época, a fiscalização era exercida pelos contadores. O sinal verde para o ingresso de mulheres na fiscalização do imposto de renda só foi permitido em meados da década de 1950, quando se discutiu a criação do cargo de Fiscal do Imposto de Renda.
FORA DO RADAR
Durante 30 anos, algumas profissões estiveram fora do radar do Leão por determinação legal. Isso porque a Constituição Federal de 1934 estabeleceu imunidade para vencimentos de escritor, jornalista e professor. “Nenhum imposto gravará diretamente a profissão de escritor, jornalista ou professor”, previa o artigo 113.
A imunidade prevista para essas categorias profissionais só foi revogada em 1964, por meio da Emenda Constitucional nº 9 de 22 de julho de 1964, quando o governo reavaliava a legislação que tratava do tributo e estudava um amplo projeto de reforma tributária.
IR DO SOLTEIRO
Em 1941, o Decreto-lei nº 3.200 de 19 de abril de 1941 institui medidas sobre a organização e proteção da família. Uma delas ficou conhecida como imposto de renda do solteiro. Um dos artigos determinava o pagamento adicional de 15% do imposto para solteiros ou viúvos, sem filhos, maiores de 25 anos.
O mesmo dispositivo previa o pagamento adicional de 10% para os contribuintes casados, sem filhos, maiores de 25 anos. Já os contribuintes com mais de 45 anos, com apenas um filho, eram obrigados a pagar um adicional de 5%.
ROUPAS ÍNTIMAS NA DECLARAÇÃO
A partir de 1963, o contribuinte passou a ser obrigado a apresentar, como parte da declaração anual de rendimentos, uma descrição dos respectivos bens, como prédios, terrenos, direitos reais sobre imóveis, veículos, joias e metais preciosos.
Em 1982, a declaração de um contribuinte, em especial, chamou a atenção da Receita Federal. Isso porque na relação de bens, ele fez questão de relacionar as peças íntimas de seu vestuário, quantidade de talheres, pratos, louças, panelas, camisas, calças, lâmpadas, móveis, material de cama e mesa, discos e livros.
Fonte: Diário do Comércio