Em 21 de junho de 2020 se iniciou a ICANN 68, que deveria ter ocorrido na Malásia, mas acabou por se consolidar como a segunda edição virtual da reunião, que conta com algumas mudanças interessantes em relação à primeira. A adição de maior destaque foram as salas destinadas a interações informais entre as sessões de trabalho, com o objetivo de que as pessoas possam parar para ver umas as outras e tentando trazer um pouco da experiência analógica para o digital.
A pauta dessa reunião de meio do ano, dedicada totalmente à formação de políticas, está bastante direcionada e conta com alguns poucos temas específicos ao invés da diversidade observada em outros momentos. Podemos destacar: 1) Abuso no DNS e COVID-19 (DNS Abuse); 2) Mecanismos de Proteção de Direitos (RPMs); 3) Privacidade de dados e transição do WHOIS para o novo sistema RDAP.
Por trás de todos esses temas se discute também sobre o próprio modelo de reuniões da ICANN, com alguns defendendo uma mescla de reuniões gerais virtuais e presenciais, enquanto outros apontam os problemas sendo gerados pela falta de interação direta entre os diversos membros da comunidade.
Nesse primeiro dia o tema mais forte foi o do Abuso no DNS, então nos focaremos nele.
Abuso no DNS e o COVID-19
Existem narrativas divergentes em torno de quanto abuso efetivo está ocorrendo no DNS dentro do contexto da pandemia global, repetindo o mesmo problema que temos observado em relação à informação em geral durante esse período. É sabido que o abuso em geral ainda é um problema sério, algo que recentemente começou a ser abordado pelo “DNS Abuse Framework”1, um esforço voluntário da comunidade das partes contratadas com a ICANN para diminuir ocorrências de abuso.
No entanto, fica uma questão a respeito do abuso especificamente relacionado ao COVID-19. Dados levantados pela divisão OCTO da própria ICANN indicam um volume de registro de 600 mil domínios relativos à pandemia, dos quais alguns certamente devem ser maliciosos, por simples razões estatísticas. Afirmam, no entanto, que desses, 70% são registros parados (parked), 25% são de uso legítimo, e 0.5% são maliciosos. Assim concluem que o número total de domínios maliciosos não subiu significativamente durante a pandemia.
Já a empresa de segurança Check Point aponta dados diferentes ao trazer para a discussão websites cujo conteúdo não é diretamente malicioso no sentido de ser um golpe, mas “suspeito”, ponderem, levar a golpes ou problemas para quem os acessa mesmo que não de maneira direta. Dentro dessa pesquisa, 3% dos domínios foram considerados como maliciosos e 5% como suspeitos2.
Dados levantados de maneira agregada pelas partes contratadas com a ICANN apontam que entre dezenas de milhares de domínios relacionados à pandemia, apenas algumas centenas podem ser consideradas abusivos3. Owen Smigelski da registrar Namecheap afirmou que após uma certa onda de abuso entre março e abril, a situação se normalizou. James Galvin da Afilias afirmou que depois de investigarem 5.000 registros relacionados a COVID, apenas 78 foram considerados abusivos.
Margie Milam, falando em nome da Facebook, destacou que a empresa observou problemas sérios relacionando seu nome a domínios fraudulentos no contexto da pandemia, o que resultou em entenderem que havia necessidade do registro de mais de 1.000 domínios de maneira defensiva para conseguirem conter outras tentativas de uso indevido de nome da Facebook. É possível imaginar problemas similares ocorrendo com outras grandes plataformas.
Mas o que pode estar ocorrendo para que exista uma diversidade de narrativas paralelas? Uma das possibilidades é justamente que a maior parte das partes contratadas com a ICANN estejam agindo de modo ético e fazendo seu melhor, mas que uma pequena parte, desinteressada em participar de medidas voluntárias de auto regulação, e se beneficiam do vácuo deixado, concentrando atores maliciosos. As estatísticas ITHI da ICANN mostra que 8 registries (donos de TLDs) são responsáveis por 90% do abuso relativo a phishing4. O respeitado grupo de segurança Spamhaus também aponta para alguns poucos atores como sendo a maior fonte de problemas5.
Nós do mundo de negócios de Internet nos perguntamos se não são necessárias ações mais duras e eficientes contra esses poucos para que se beneficiem os muitos. Está dentro do escopo do trabalho da Business Constituency (BC) avançar a pauta do Abuso no DNS e pensar junto a todos os atores desse ecossistema quais são as soluções para o problema que sejam justas e que respeitem o equilíbrio entre as partes.
Seguiremos acompanhando o tema.
Nivaldo Cleto
Membro da ICANN Business Constituency
Conselheiro Eleito do Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGIbr
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