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Durma-se com um brilho desses

Tecnologia

LULI RADFAHRER

Por mais que fascine, é preciso limitar o uso do tablet na cama; sua luz reduz o hormônio do sono em 22%

Estamos cercados de retângulos brilhantes. Dos pequenos displays nos micro-ondas e rádios às TVs cada vez maiores, passando por videogames, desktops, notebooks, tablets, celulares e smartphones, praticamente não há momento em que se viva distante deles. É só uma questão de tempo, creio, para chegarem ao fundo de piscinas e mares.

Novos fabricantes desenvolvem, a cada ano, versões mais leves, econômicas, resistentes e versáteis dessas telinhas, que a partir deste ano serão até dobráveis. Nos carros, TVs para motoristas já não causam espanto. Dividem sua preciosa atenção com as telas do painel, do GPS, do celular e, de vez em quando, até com o que acontece na rua.

Nossa relação com a luz é tão intensa que parece que vivemos de fotossíntese. Nas hiperluminosas residências modernas, algumas noites ficam mais claras do que os dias.

Pena que o cérebro humano, esse primitivo, não esteja preparado para tanto brilho. Luz, para as mentes consolidadas desde os primeiros hominídeos, vem do céu, do fogo ou de raridades como um vaga-lume ou um metal radiativo. Luz branca, ainda mais rara, só vem de um raio ou do Sol ao meio-dia. LEDs, LCDs, plasmas e outras iridescências causam estranheza a nossos mecanismos de atenção. Como gatos expostos ao flash de uma câmera, ficamos meio paralisados diante eles.

Isso não impede a exposição cotidiana a dezenas de retângulos brilhantes, deixando a mente em estado de constante estímulo. Por instinto, quem passa muito tempo em frente às telas permanece desperto até o momento em que não resta ao corpo outra opção se não desligar os disjuntores e desmaiar, até o sono ser interrompido pelo brilho do despertador. Como quem vive no fuso horário da Califórnia, o impulso de alguns brasileiros tecnológicos é deitar perto das 3h e acordar às 11h. A maioria, que não pode dar-se esse luxo, acaba dormindo pouco.

E mal. Um estudo publicado no periódico técnico “Applied Ergonomics” revela que duas horas de exposição à luz brilhante de um tablet ou equivalente antes de dormir reduzem os níveis de melatonina, o hormônio do sono, em cerca de 22%.

Essa carência provoca, além de noites ruins, o aumento dos riscos de obesidade, diabetes e problemas cardiovasculares. A falta de sono diminui a produtividade, aumenta o risco de acidentes, prejudica o raciocínio e mata a libido. Por mais que fanfarrões afirmem ser capazes de dormir poucas horas, não há argumentos médicos que defendam essa tese, muito pelo contrário.

Aplicativos para smartphone se propõem a medir a qualidade do sono de seus usuários com base no movimento captado por seus acelerômetros. A intenção é nobre, embora seja fácil prever alguns resultados. Quem checa mensagens ou visita websites antes de dormir pode levar preocupações do trabalho para a cama. Quem joga ou interage com redes sociais tende a ficar mais alerta. Até mesmo quem assiste a um vídeo bobo no telefone fica exposto a uma luminosidade sem precedentes. Mal dormidos, vários acordam no meio da noite e checam suas redes. Não pode fazer bem.

Por mais que aparelhos eletrônicos fascinem, é preciso limitar seu uso antes de ir para a cama. Talvez seja um excelente motivo para retomar o antigo hábito de conversar.

folha@luli.com.br

Folha de S.Paulo

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