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Aparelhos digitais fazem agora o papel da ‘mãezona’

Tecnologia

Por Geoffrey A. Fowler e Shira Ovide | The Wall Street Journal

Dispositivos monitoram atitudes e alertam sobre o uso do fio dental, velocidade da mastigação e direção imprudente

Reto Stamm não vive com seus pais há 12 anos. No ano passado, ele comprou um substituto digital para seus progenitores. 

Quando a webcam do seu computador Mac o pegou com um má postura, um software chamado PostureTrack emitiu um barulho. Quando ele passou muito tempo no sofá, um dispositivo do tamanho de um polegar que segue seus movimentos disparou um “você não pode fazer isso”. Quando ele falha com frequência no cumprimento desses objetivos, ou outros, como ir para a cama no horário e usar o fio dental, um site chamado Beeminder, que ajuda a monitorar metas estabelecidas pelo usuário, o multa em pelo menos US$ 5. 

“É como receber um duro conselho de um amigo”, diz Stamm, um desenvolvedor de software de 37 anos da Califórnia. As cutucadas digitais, diz ele, “meio que regem a sua vida”.

 À media que os inventores inserem a internet em cada vez mais coisas, eles estão transformando as pequenas advertências que a sua mãe costumava fazer em um grande negócio. Alguns chamam isso de tecnologia “Mãezona” (Big Mother) – uma referência ao conhecido personagem Grande Irmão (Big Brother) do livro de George Orwell. Mas aqui o objetivo é defender seus interesses. 

Existe um utensílio inteligente chamado HAPIfork que monitora o quão rápido você come, encorajando-o a reduzir o ritmo e mastigar. Em algumas semanas, uma empresa novata chamada Automatic lançará um dispositivo que, conectado ao computador de bordo do carro, emite sons que o seu inventor chama de “sutis deixas de áudio” quando o motorista acelera, pisa no freio com força ou faz outras coisas ao volante que sua mãe não gostaria. 

Raymond Lancione comprou em dezembro uma escova de dentes que pega no pé dele para que ele melhore a sua higiene bucal. A escova de dente Beam, que custa nos Estados Unidos US$ 50, transmite a um aplicativo de celular, por um sistema sem fio, a frequência e por quanto tempo ele passa escovando os dentes. Ela também marca em vermelho no calendário os dias em que não foi feita a escovação e concede prêmios e elogios quando os objetivos de escovação são alcançados.

 “Agora é possível ter um dispositivo em segundo plano na sua vida que registra tudo o que você faz”, diz o jovem de 23 anos, de Los Angeles. (Sua escova de dentes parou de coletar dados quando a bateria acabou, então ele diz que pode precisar “de um pequeno robô que circule pela casa e troque as baterias”.) 

A possibilidade de uma mãe virtual há muito tempo tem intrigado a ficção científica. Majel Barrett Roddenberry, a falecida esposa do criador da série de TV americana “Star Trek”, Gene Roddenberry, emprestou a sua voz para o computador Enterprise, que tanto pilotava a nave espacial como preparava o jantar. Mas nem sempre os computadores têm instinto maternal: no filme “Alien”, um frio e contido computador apelidado MU/TH/UR 6000 protegia um maldoso alienígena em vez de humanos. Ele estava apenas seguindo o protocolo. 

A demanda por tecnologia que acompanha os seres humanos com acelerômetros, sensores de frequência cardíaca e chips de GPS começou há cerca de uma década, com atletas que buscam constantemente mapear melhor seu desempenho e com um nicho de entusiastas em se “autoquantificar”, que gostam de transformar em números sua rotina diária. Agora as lojas da Apple Inc. vendem duas dezenas de rastreadores que persuadem as pessoas a ir para a cama mais cedo, perder peso e praticar exercícios físicos. 

Os aparelhos administram “coisas que você poderia, e deveria, controlar por conta própria, mas que os seres humanos não têm o autocontrole que os leva a atuar”, diz Sarah Rotman Epps, analista da empresa Forrester Research que foi uma das primeiras a adotar nos EUA o termo Big Mother. 

O desafio para esses aparelhos é não cruzar a linha entre o útil e o incômodo. 

No ano passado, o consultor e pesquisador de tecnologia grego Charalampos Doukas, que vive em Atenas, comprou o Fitbit One, um pedômetro que mede quantos passos ele dá diariamente e quantas calorias ele queima. Ele achou que os dados não eram suficientes para mantê-lo motivado. “Eu precisava de algo como um castigo”, disse. Então, há três meses, Doukas desenvolveu um programa para conectar os dados do seu Fitbit a um interruptor na sua geladeira que pode desligá-la caso ele não se exercite. 

A noção de o que são comentários de feedback e lembretes “útéis” varia de pessoa para pessoa, diz Brad Kittredge, diretor de gerenciamento de produtos da Jawbone Inc., fabricante da pulseira Up, que monitora a atividade física e o sono. 

Durante o desenvolvimento do produto, sua equipe passou algum tempo estudando a psicologia da motivação. “Algumas pessoas podem prosperar com correções de curso – me avise quando eu sair do rumo”, diz ele. “Outros dizem que só querem um comentário positivo.” 

Os gráficos coloridos do software Up celebram as conquistas e oferecem dicas para incentivar um melhor comportamento. Para aqueles que precisam literalmente de um empurrãozinho, Jawbone criou um serviço de alerta que faz com que a pulseira vibre se você ficar parado por mais do que, digamos, 15 minutos. 

Christoph Hewett, australiano que usa a Up, gosta de receber estímulo de estranhos. Ele compartilha suas conquistas enviando dados de desempenho a um grupo de cerca de 40 pessoas, a maioria de outros países, que só conhece on-line. “Eles são o um “bando realmente positivo, realmente focado em metas”, disse. 

Do Valor Econômico

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